quinta-feira, janeiro 14, 2010

Outro dia meu pai comentou que estava sentindo "um cheiro de golpe" no ar. Disse que tinha a impressão de que o atual discurso político brasileiro estava perigosamente parecido com o que já ouvira nos idos de 1964. Transcrevo aqui alguns trechos da última coluna do João Ubaldo Ribeiro - que compartilha a opinião do meu pai - publicada no Estado de S. Paulo de 10 de Janeiro de 2010. Tanto ele quanto o meu pai, evidentemente, não são propriamente cientistas políticos, mas merecem ter seu ponto de vista analisado:

" Esse ministro Genro – está preparando um golpe, não podemos esmorecer na vigilância democrática! Deu nos jornais, qualquer um pode ler.
– Está escrito que vão dar um golpe?
– Não, claro que não, é tudo muito maquiavélico, a coisa é quase subliminar. Mas aí eu apelo para meus conhecimentos de enxadrista. Eles pensam que me pegam, mas eu já estou vários lances na frente.
– Mas o que foi que ele disse, afinal?
– Disse que d. Dilma é vítima de preconceito.
– Não entendi o que isso tem a ver com golpe.
– Primeiro passo! É o primeiro passo! Em seguida?
– Só você cantando esse jogo, Zeca, eu nem sei jogar xadrez direito.
– Eu canto, eu canto, embora estejamos num país de surdos e não adiante nada. O segundo passo está na cara: quem não gostar dela é preconceituoso.
– Bem, pode até ser.
– Lá vai você caindo na pegada do ministro, às vezes eu acho que aqui só tem otário. Terceiro passo: quem não gostar dela não só é politicamente incorreto como vai para a ilegalidade. Não pode ter preconceito no Brasil, discriminar ninguém por raça, aparência, sexo, nada. Então, quarto passo: quem disser que não gosta dela vai ser processado pelo Ministério Público.
– Zeca, você não está vendo que isso não pode acontecer?
– É, não pode mesmo. Vai ser pior, depois vem o quinto passo. Quinto passo: quem não votar nela vai em cana.
– Me desculpe, mais isso é delírio completo, isso não vai acontecer aqui, nem pode acontecer em nenhum lugar do mundo.
– Demonstrada mais uma vez a sua ignorância. A primeira condição para compreender o Brasil é levar sempre em conta que aqui acontecem coisas que não podem acontecer em lugar nenhum do mundo. Você viu os caras, lá em Brasília, passando bolos de dinheiro para lá e para cá? Viu o governador pegando dinheiro? Viu a deputada enfiando dinheiro na bolsa? Viu um cara metendo dinheiro na cueca e outro na meia?
– Vi, todo mundo viu.
– Negativo. Nem todo mundo viu, pelo menos do jeito que a gente viu. Tanto assim que até o presidente disse que aquelas cenas não davam para concluir nada. O que é que dava, então? Os
caras parando no meio da enfiada de dinheiro no rabo para falar para a câmera? Atenção, Brasil, close na minha cueca, estou levando grana de propina e afanando o dinheiro dos trouxas! Que é que precisava mais, para mostrar que os caras estavam levando jabaculê, que eles saíssem no carnaval fantasiados de irmãos Metralha e carregando sacos de dinheiro?
– Você não deixa de ter alguma razão. Mas isso não vai ficar assim, vai dar processo.
– Vai, vai, sim. Quem de agora em diante mencionar essas propinas vai ser processado. Antes, já tomou porrada e pisada de cavalo, lá em Brasília mesmo e aí entrar em cana completa o tratamento.
– Você está muito pessimista, Zeca.
– Não, não estou, não, longe disso, minhas esperanças continuam mais vivas do que nunca. Tanto assim que vou fundar um jornal aqui na ilha, para lutar pelo povo e pelo proletariado e contra a exploração do homem pelo homem. Que é que você acha de “A Verdade”? “Pravda” quer dizer “verdade” em russo. Eu pensei até em convidar você para dirigir a redação, mas não só não confio muito nas suas posições políticas, como preciso limitar os custos. Felizmente, para ser fiel à verdade, basta assistir aos comerciais do governo e depois escrever o contrário."