quinta-feira, fevereiro 26, 2009

"As demissões caíram sobre nós. Boatos tinham corrido durante meses, mas agora era oficial. Tendo sorte, você poderia entrar com um processo. Se fosse negro, idoso, mulher, católico, judeu, gay, obeso ou deficiente físico, pelo menos tinha fundamento para processar. Mais cedo ou mais tarde todos fomos demitidos.

Pensávamos que as recessões houvessem se tornado obsoletas devido à engenhosa tecnologia da nova economia. E que fôssemos imunes a coisas como o fechamento de fábricas em Iowa e Nebraska, onde americanos de lugares distantes lutavam contra telhados que desabavam e dívidas de cartão de crédito. Víamos esses trabalhadores braçais sendo entrevistados na televisão. Durante a entrevista, era impossível não perceber a tristeza e a angústia que sentiam por si mesmos e por suas famílias. Mas logo passávamos à previsão do tempo ou aos esportes, e, quando pensávamos de novo naqueles operários, lembrávamos que era numa fábrica e numa cidade diferentes. Além disso, o Estado oferecia programas para trabalhadores desempregados, readaptação, treinamento e oficinas de aprendizado. Eles ficariam bem. Graças a Deus não tínhamos que nos preocupar com tais infortúnios. Pertencíamos a uma grande empresa, cidadãos sustentados por diplomas superiores e protegidos pela gordura corporativa. Estávamos acima das forças traiçoeiras da superprodução e da má gestão.

Contudo não consideramos que, numa recessão, nós representaríamos a má gestão, e que portanto estávamos prestes a sermos jogados no lixo como uma sobra de componentes eletrônicos importados. Voltando do trabalho para casa, cogitávamos, intrigados, quem seria o próximo. Scott McMichaels foi o próximo. Sua mulher tinha acabado de ter um bebê. Depois foi Sharon Turner. Ela e o marido tinham acabado de comprar uma casa. Nomes — apenas nomes para os outros, mas, para nós, indivíduos que despertavam a mais profunda solidariedade. Aqueles que guardavam seus objetos numa caixa, apertavam algumas mãos e iam embora sem se queixar. Aliás, não tinham outra escolha, e mostravam uma tranqüila resignação diante de seus malfadados destinos. Quando iam embora, aquilo nos parecia quase um auto-sacrifício. Eles partiam para que nós ficássemos. E ficamos, embora nossos corações fossem junto com eles. Então chegou a vez de Tom Mota, que quis atirar o computador pela janela.

Tom tinha um cavanhaque e uma constituição de buldogue: troncudo, com membros curtos e uma sucessão ondulante de pescoços. Ele não pertencia ao meio publicitário. Mais que condescendência, isso era a tentativa de reconhecer uma magnânima verdade. Tom teria sido mais feliz em outro lugar — próximo às árvores de uma floresta ou lançando redes para uma empresa de pesca do Alasca. Em vez disso estava de roupa cáqui, tomando um expresso num sofá, discutindo o melhor modo de fazer com que a marca de fraldas de nosso cliente fosse um sinônimo para "mais absorvente".


Joshua Ferris, in "E nós chegamos ao fim"

domingo, fevereiro 22, 2009


Há muito tempo um filme não me impressiona tanto quanto "Der Vorleser" (no Brasil, "O Leitor").

Mais uma vez o tema é o Holocausto, mas dessa vez um dos "culpados" expõe seu ponto de vista. Essa é uma questão ainda MUITO delicada aqui na Alemanha: a colaboração voluntária do cidadão comum alemão com o regime de Hitler em seus piores aspectos. O filme repete as clássicas perguntas que foram feitas aos alemães no final do conflito e que continuam sendo feitas a seus descendentes, portadores da culpa ancestral: "Onde você (seus pais, seus avós) estava(m) durante a guerra? O que fazia(m)? O que sabia(m)?"

É interessante analisar as respostas dos meus conhecidos alemães a essas perguntas. Seus pais ou avós jamais estiveram diretamente envolvidos na guerra. Todos eram simples enfermeiros, desertores, membros da resistência, burocratas. NUNCA encontrei um alemão que tenha admitido a participação direta ou indireta de qualquer membro de sua família no regime nazista. A noção de culpa é tão forte que acaba se tornando um patrimônio coletivo às avessas, uma espécie de pecado original que novas gerações herdam das antecessoras - apesar de nada ter a ver com tudo aquilo, são atingidas pela infâmia.

O enredo é à primeira vista relativamente simples. No final dos anos 50, uma mulher pelo menos 20 anos mais velha inicia sexualmente um garoto de 15 anos. Em troca, ele deve ler para ela alguns livros clássicos. Depois de algumas semanas, ela desaparece misteriosamente.

Já adulto, o menino reencontra a antiga amante da adolescência, em outras e piores circunstâncias. Ele cresce, estuda, entra para a Faculdade de Direito e acompanha um julgamento de pessoas que teriam trabalhado nos campos de extermínio. A amante da juventude está sentada no banco dos réus.

O que mais me impressionou foi o fato de que o filme evita os clichês que povoam esse tipo de história. Os agentes do nazismo não eram monstros incompreensíveis, praticamente exteriores à condição humana; Eram cidadãos absolutamente normais. Nem por isso lhes é permitido alegar o "estrito cumprimento do dever legal", a desculpa de que apenas recebiam ordens de uma instância superior e as executavam. Por outro lado, é necessário reconhecer que essas pessoas agiram de maneira completamente lícita. O direito nazista, por injusto e imoral que fosse, ainda assim era válido e legítimo. Todos os atos jurídicos praticados naquela época podem ser considerados perfeitos.

Aqui é levantada uma questão muito mais pertinente, na minha opinião. Deixando de lado a caça às bruxas: é possível restabelecer a margem da responsabilidade moral e de opções pessoais em situações-limite como a da segunda guerra? Será que o discurso nazista não se recicla na linguagem gerencial das grandes corporações contemporâneas? Existe espaço para dilemas de ordem moral quando o assunto é a própria subsistência?

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Lula, o evangelista

Mais uma pérola do nosso querido presidente durante o Fórum Social, em Belém:

"Deus escreve certo por linhas tortas, porque o deus mercado quebrou."

Quem quebrou foi o deus especulação, cara pálida, e arrastou consigo o mercado e a possibilidade de ascensão social. Lula não tem nada a oferecer ao povo senão o opiáceo por excelência: Deus ele mesmo, maiúsculo, o Deus das religiões.

"Nós buscamos outras realidades porque não sabemos como desfrutar da nossa; e saímos de dentro de nós mesmos pelo desejo de saber como é o nosso interior."

Montaigne

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Bom dia (apesar da crise)

Eu decidi que não quero participar dessa crise chata. Tudo agora é crise, tudo é catástrofe. Os noticiários alemães, brasileiros, coreanos e americanos disputam o troféu "previsão mais sombria do ano."

Previsão do tempo: "O final de semana será ensolarado, apesar da crise"

Reportagem no Zoológico de Nürnberg. Repórter cretino pergunta a um dos visitantes: "O que você achou da ursinha Flocke?" "Apesar da crise, a Flocke continua fofa e bla bla bla..."