quarta-feira, junho 28, 2006

E eu passei a vida inteira confundindo os dois conceitos.

"Porque é que se sobrestima o amor em detrimento da justiça e se diz dele as coisas mais lindas, como se ele fosse uma entidade muito superior àquela? Pois não é ele visivelmente mais estúpido que aquela? Por certo, mas, precisamente por isso, tanto mais agradável para todos. Ele é estúpido e possui uma rica cornucópia; tira desta os seus presentes e distribui-os a qualquer pessoa, mesmo que esta não os mereça e até nem sequer lhe agradeça por isso. É imparcial como a chuva, a qual, segundo a Bíblia e a experiência, não só encharca o injusto até aos ossos, mas também, em determinadas circunstâncias, o justo."

Friedrich Nietzsche, in "Humano, Demasiado Humano"

terça-feira, junho 27, 2006

Rua Rishin Matsuda, 722

Logo na entrada há um sentimento de tempo. O portão já está enferrujado e o trinco se encontra num lugar que só as mãos dos netos conhecem. As plantas da garagem nunca utilizada parecem mais verdes e úmidas do que as outras, com longos copos-de-leite e samambaias.

A casa do meu avô é sempre quieta. Há um tradicional silêncio na sala e um repouso enlutado em suas poltronas. Sobre o o assoalho mal encerado ainda escorrega o fantasma do cachorrinho Toby, e persistem as manchas e o mesmo taco solto de outras primaveras. As coisas vivem como em preces, nos mesmos lugares onde as situaram as mãos do meu avô, quando ainda eram vivas, ágeis e lisas. Rostos infantis dos netos se olham dos porta-retratos, a se amarem e compreenderem mudamente. O calendário de 1966, com marcas de bolor e a foto do time do Palmeiras, repete incansavelmente feriados já degustados, em uma época na qual o meu avô ainda jogava o seu amado futebol.

Há ainda um corredor à escuta, de cujo teto à noite pende uma luz verde, com negras aberturas para dois quartos cheios de sombra. Na estante é possível localizar “O morro dos ventos uivantes”, edição de 1970, com o dorso puído de tato e de tempo. Foi através da “Biblioteca do Escoteiro Mirim” presenteada pelo avô que o olhar da neta mais velha pasmou-se primeiro com o que passaria a ser para ela um de seus maiores prazeres: a palavra.

Embaixo há sempre refrigerante na geladeira e sonho de valsa no armário da cozinha. E porque é uma casa velha, há sempre uma barata que aparece e é morta com uma repugnância que vem de longe. Em cima fica a cama onde o meu avô repousava de sua agitação diurna, hoje vazia. A imagem dele persiste. Seus óculos dormem encostados junto ao criado-mudo. Ainda é possível ouvir o brando ronco de sua sesta vespertina. Ausente para sempre, a figura do meu avô mergulha a casa docemente na eternidade.

segunda-feira, junho 26, 2006

"O homem comum entende como sendo a sua religião um sistema de doutrinas e promessas que por um lado lhe explica os enigmas deste mundo com uma perfeição invejável, e por outro lhe garante que uma Providência atenta cuidará da sua existência e o compensará, no além, por qualquer falha nesta vida. O homem comum só consegue imaginar essa Providência sob a figura de um pai extremamente elevado, pois só alguém assim conseguiria compreender as necessidades dos filhos dos homens ou enternecer-se com as suas orações e aplacar-se com os sinais dos seus remorsos. Tudo isto é tão manifestamente infantil, tão incongruente com a realidade, que para aquele que manifeste uma atitude amistosa para com a humanidade é penoso pensar que a grande maioria dos mortais nunca será capaz de estar acima desta visão de vida.

É ainda mais humilhante descobrir como é grande o número de pessoas, hoje em dia, que não podem deixar de perceber que essa religião é insustentável, e, no entanto, tentam defendê-la sucessivamente, numa série de lamentáveis atos retrógados. Gostaríamos de pertencer ao número dos crentes, para podermos advertir os filósofos que tentam preservar o Deus da religião substituindo-o por um princípio impessoal, obscuro e abstrato, e dizemos: «Não usarás o nome de Deus em vão!». Alguns dos grandes homens do passado fizeram o mesmo, mas isso não serve de justificação para nós; sabemos porque é que tiveram que o fazer."

Sigmund Freud, in "O mal-estar na civilizxação"

domingo, junho 11, 2006

"Não só as coisas acontecem com as pessoas, (...) cada um gera também aquilo que acontece consigo. Gera-o, invoca-o, não deixa de escapar àquilo que tem de acontecer. O homem é assim. Fá-lo, mesmo que saiba e sinta logo, desde o primeiro momento, que tudo o que faz é fatal. O homem e o seu destino seguram-se um ao outro, evocam-se e criam-se mutuamente. Não é verdade que o destino entre cego na nossa vida, não. O destino entra pela porta que nós mesmo abrimos, convidando-o a passar. Não há nenhum ser humano que seja bastante forte e inteligente para desviar com palavras ou com ações o destino fatal que advém, segundo leis irrevogáveis, da sua natureza, do seu caráter."

Sándor Márai, in "As Velas Ardem Até ao Fim"
A minha música genérica.

U2 - One

Is it getting better
Or do you feel the same
Will it make it easier on you now
You got someone to blame
You say...

One love
One life
When it's one need
In the night
One love
We get to share it
Leaves you baby if you
Don't care for it


Did I disappoint you
Or leave a bad taste in your mouth
You act like you never had love
And you want me to go without
Well it's...

Too late
Tonight
To drag the past out into the light
We're one, but we're not the same
We get to
Carry each other
Carry each other
One...
Have you come here for forgiveness
Have you come to raise the dead
Have you come here to play Jesus
To the lepers in your head

Did I ask too much
More than a lot
You gave me nothing
Now it's all I got
We're one
But we're not the same
Well we
Hurt each other
Then we do it again
You say
Love is a temple
Love a higher law
Love is a temple
Love the higher law
You ask me to enter
But then you make me crawl
And I can't be holding on
To what you got
When all you got is hurt
One love
One blood
One life
You got to do what you should
One life
With each other
Sisters
Brothers
One life
But we're not the same
We get to
Carry each other
Carry each other