quarta-feira, julho 18, 2007

21 a 30 de julho de 2007: Londres
3 a 7 de agosto de 2007: Roma

"Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E a ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu."

Fernando Pessoa
"O café tomado na esquina
--meio de lado
no balcão
a ponto de observar

a manhã que reproduz
e se mistura
em pernas rápidas
(decomposição do movimento)

O café pago no caixa
--troco, obrigado, cigarro na boca
de mais uma manhã
mais uma manhã

trocando olhares
medindo gestos
(somos todos estrangeiros
nesta cidade
neste corpo que acorda)

e não me misturo
--com essa gente,
não me misturo
."

Heitor Ferraz, in "Estrangeiro"
"Eu gostaria tanto de amar-te. Quando te tomo nos meus pensamentos, vai a noite escura ao largo da gente e das árvores, e eu penso que a minha alma te pertence. Pudera eu, meu amor, ou lá o que és, que pudesse pertencer a alguém."

Miguel Esteves Cardoso, in "O Amor é Fodido"


"Agora, neste momento, não sei onde estás.
Imagino-te a fazer tantas coisas.
Imagino-te a não te lembrares de mim."

José Luís Peixoto, in "Antídoto"
"Somos felizes. Acabámos de pagar a casa em Outubro, fechámos a marquise, substituímos a alcatifa por tacos, nenhum de nós foi despedido, as prestações do Opel estão no fim. Somos felizes: preferimos a mesma novela, nunca discutimos por causa do comando, quando compras a «TV Guia» sublinhas a encarnado os programas que me interessam, lembras-te sempre da hora daquela série policial que eu gosto tanto, com o preto cheio de anéis a dar cabo dos Italianos da Máfia.

Somos felizes: aos domingos vamos ao Feijó visitar a tua mãe, ficas a conversar com ela na cozinha e eu passeio com o Indiano, filho de uma senhora que mora lá no pátio; assistimos ao básquete dos sobrinhos dele no pavilhão polivalente, comemos uma salada de polvo no café durante os resumos do futebol, e voltamos para Almada à noite, com o jantar que a tua mãe nos deu numa marmita embrulhada no «Record», a tempo de assistir às perguntas sobre «factos e personalidades» do concurso em que a apresentadora se parece com a tua prima Beatriz, a que montou um pronto-a-vestir no centro comercial do Prior Velho.

Somos felizes. A prova de que somos felizes é que comprámos o cão no mês passado e foi por causa do cão que tirámos a alcatifa, que as unhas do animalzinho rasparam de tal forma que já se notava o cimento do construtor por baixo. Andamos a ensiná-lo a não estragar as cortinas, pusemos-lhe uma coleira contra as pulgas depois de uma semana inteira a coçarmo-nos sem entender porquê, passados dois dias o Fernando começou a coçar-se também e a acusar-me de cheirar a cachorro e levar pulgas para a repartição, o chefe avisou-me do fundo

- Veja-me lá isso, Antunes

de modo que pus também uma coleira contra as pulgas debaixo da camisa e o Dionísio, espantado- Deste em cónego ou quê? E eu, envergonhado, a abotoar o colarinho - É uma coisa chinesa para o reumatismo, a Jóia Magnética Vitafor é uma porcaria ao pé disto e como nas Finanças se respeitam o reumatismo e as coisas chinesas, nunca mais me maçaram.

Às segundas, quartas e sextas sou eu que vou lá abaixo levar o cão a fazer chichi contra a palmeira, às terças, quintas e sábados é a tua vez, e o que não vai lá abaixo fica à janela a olhar o bichinho a cheirar os pneus dos automóveis, com um ar sério de quem resolve problemas de palavras cruzadas que os cães têm sempre que farejam postes e Unos.

Somos felizes. Por isso não me preocupei no Sábado com o animal, muito entretido na praceta, e tu atrás dele, de trela enrolada na mão, sem olhares para cima nem dizeres adeus, a nadares devagarinho até desapareceres na travessa para a estação dos barcos. Foi anteontem. Às onze horas tirei o cozido do forno e comi sozinho. Ontem também. Hoje também. Não levaste roupa, nem pinturas, nem a fotografia do teu pai, nada.

Ainda há bocadinho acabei de gravar o episódio da novela para ti. A tua mãe telefonou, a saber porque é que não fomos ao Feijó, e eu disse-lhe que daqui a nada lhe ligavas. Porque tenho a certeza de que tu não te foste embora, visto sermos felizes. Tão felizes que um dia destes vou comprar um micro-ondas para, se chegares a casa, teres a comida quente à tua espera."


António Lobo Antunes, in "A propósito de ti"

quinta-feira, julho 12, 2007


As "Stolpersteine" ("pedras para tropeçar") são intervenções urbanas do artista Gunter Demnig. Na frente das casas onde moraram pessoas vitimadas pelo regime nazista, ele substitui uma das pedras usadas no calçamento por uma pequena laje revestida de metal, onde é possível ler o nome dos falecidos e as datas correspondentes ao período em que viveram ali. Mais em http://www.stolpersteine.com/impressum.html.


"Deixei de amar: esse é o tedioso fim da nossa história
tão chato quanto é a vida, tão aborrecido quanto o túmulo.
Desculpa-me: romperei a corda desta canção de amor,
quebrarei o violão. Nada há para salvar.

Nosso cachorrinho está espantado.
Nosso monstrinho peludo
não entende porque complicamos assim coisas tão simples
choraminga na nossa porta e deixo-o entrar.
Sempre que ele arranha a sua porta, você o deixa entrar.

Cão, cãozinho sentimental, você vai é ficar doido
correndo assim de um para o outro
você é jovem demais para entender uma idéia muito antiga:
acabou, dançou, it’s over, kaputt. Finis.

Dê uma de sentimental e você acabará representando
o velho melodrama A Salvação do Amor.
'Perdão', sussurramos, e esperamos um eco;
mas nada retorna do silêncio acima de nós.

O melhor é salvar o amor desde o começo,
evitando todos os apaixonados 'nuncas' e 'para sempres';
devíamos ter ouvido o que as rodas do trem gritavam:
'Não façam promessas!' Promessas são alavancas.

Devíamos ter prestado atenção nos galhos quebrados,
devíamos ter olhado para o céu enfumaçado,
advertindo quanto às tolas pretensões dos amantes
quanto maior a esperança, maior a mentira.

Ternura verdadeira, no amor, significa permanecer sóbrio,
sopesando cada elo da corrente que você tem de carregar.
Não prometa o céu a ela –sugira meio alqueire;
não 'até a morte' mas, pelo menos, até o ano que vem.

E não fique dizendo 'Eu te amo, eu te amo' toda hora.
Essa frasezinha implica uma vida durável
e, quando nos lembramos dela de novo, numa hora sem amor,
pode furar como um espinho, ou apunhalar como uma faca.

É por isso que nosso cãozinho, inteiramente confuso,
anda de cá para lá, de uma porta para outra.
Não direi 'me perdoe'. Pedirei perdão
por uma coisa só: houve um tempo em que te amei."


Ievtushenko, in "Ruptura"
"Tão fácil deixar o quarto assim:

lenços roupas empilhadas

tênis papéis por todo o lado,

os livros do colégio, um copo d’ água,

mas um jeito de amar fala mais alto

e vai fazer a cama, renovando os

lençóis; é tão forte o calor, dói

a coluna, nem dói mais, quando

sonolenta ela entra

e sorri sonolenta, um anjo

pousado um momento

no meu ombro; agora a cama está sempre

feita, o armário sempre arrumado, ela

longe longe longe numa

moldura mais que perfeita, e o

dia inteiro olho seu quarto, os quadros,

faz tanta falta aquela desordem!

ela está lá e está aqui

dentro de mim,

e quando sequer falamos

ao telefone é como se nem

entre nós um oceano

houvesse, como se nem."


Marly de Oliveira, in "O mar permeio"

Women In Art

sábado, julho 07, 2007

Film lovers will love this!

Sem dúvida, uma maneira eficiente de promover o cinema europeu.

domingo, julho 01, 2007

Curiosamente foi na Alemanha que aprendi a pensar sobre o Brasil. Nunca pensei tanto no Brasil, nunca procurei tanto entender o Brasil, um dos países mais explicados do mundo. A incapacidade congênita dos colonizadores portugueses já serviu de justificativa por muito tempo. Há quem ainda hoje persista em amaldiçoar nossa herança lusitana. A pobreza é outra explicação bastante popular: ela seria a causa da violência urbana de proporções inacreditáveis.

Espero sinceramente que algum dia a incompetência administrativa e política seja indiciada. Vide a maior ambição da classe média atualmente, a aprovação em um cargo público. Perfeitamente justificável: estabilidade, boa remuneração, jornadas compatíveis com um estilo de vida saudável. Ao observar as condições que oferece a iniciativa privada, é natural que surja a pergunta: para quê empreender e ajudar a desenvolver o país no qual se vive, se é possível ganhar a vida de uma maneira muito mais fácil e segura? Sinto-me profundamente triste ao ouvir micro empresários brasileiros aconselhando seus filhos a deixar de investir no próprio negócio, a fim de que se tornem funcionários públicos. De onde surgirá a arrecadação para os contracheques dos concursandos? Tenho certeza de que para isso serão extintos alguns dos raros incentivos fiscais e financiamentos destinados a pequenas e médias empresas.

Nesse sentido admiro a cultura alemã, onde "Beamter" (funcionário público) é um termo praticamente pejorativo. Serve para qualificar uma pessoa avessa a desafios, interessada somente na manutenção da imensa, paternalista e dispendiosa máquina estatal. Os bacharéis em Direito na Alemanha raramente optam pela carreira pública, embora depois dos exames estatais essa possibilidade esteja aberta a qualquer um que tenha apresentado um bom desempenho nas provas e os benefícios sejam praticamente idênticos aos oferecidos pelo governo brasileiro (com exceção, naturalmente, da aposentadoria integral, alvo de gargalhadas atônitas daqueles que são confrontados com mais essa liberalidade da nossa mãe gentil). Juízes, promotores, procuradores e afins por aqui são produto de verdadeira vocação, não de falta de perspectiva.
"Volta-se o rico para os prazeres da carne e a maior parte do mundo faz o mesmo. E não sem acerto, porque todas as coisas agradáveis devem ser tidas como inocentes, e até que se provem culpadas todas as presunções pendem a seu favor. A vida já é bastante penosa para que ainda a agravemos com proibições e obstáculos aos seus deleites; tão arisca se mostra a felicidade que todas as portas por onde ela queira entrar devem permanecer escancaradas. A carne enfraquece muito precocemente - e os olhos olham com melancolia para os prazeres de outrora. Muito rapidamente todas as alegrias perdem a vivacidade - e admiramo-nos de como pudessem ter-nos interessado tanto. O próprio amor torna-se grotesco logo que atinge os seus fins. Guardemos o ascetismo para a estação própria - a velhice.

É este o grande drama do prazer; todas as coisas agradáveis acabam por amargar; todas as flores murcham quando as colhemos, e o amor morre tanto mais depressa quanto é mais retribuído. Por isso o passado parece-nos sempre melhor que o presente; esquecemos os espinhos das rosas colhidas; saltamos por cima dos insultos e injúrias e demoramo-nos sobre as vitórias. O presente parece muito mesquinho diante de um passado do qual só retemos na memória o bom, e diante de um futuro que ainda é sonho. O que alcançamos nunca nos contenta; «olhamos para diante e para trás em procura do que não está ali»; não somos bastante sábios para amar o presente do mesmo modo que o amaremos quando se tornar passado. Quando mergulhamos num prazer, o nosso olhar vai para longe - a felicidade ainda não está alcançada apesar de termos o deleite nos nossos braços. Que mau demónio nos afeiçoou assim?"

Will Durant, in "Filosofia da Vida"