quinta-feira, março 23, 2006

"People are afraid to face how great a part of life is dependent on luck. It's scary to think so much is out of one's control. There are moments in a match when the ball hits the top of the net and for a split second it can either go forward or fall back. With a little luck, it goes forward and you win … or maybe it doesn’t, and you lose.”


Woody Allen, in "Match Point"
"Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns. Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro? Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes

(...)

Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca, encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz, como não pensar é a parte melhor de ser rico.

Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta, e já nos desavimos antes de existires. O meu hábito de sonhar claro dá-me uma noção justa da realidade. Quem sonha de mais precisa de dar realidade ao sonho. Quem dá realidade ao sonho tem que dar ao sonho o equilíbrio da realidade. Quem dá ao sonho o equilíbrio da realidade, sofre da realidade de sonhar tanto como da realidade da vida e do irreal do sonho como do sentir a vida irreal.

Estou-te esperando, em devaneio, no nosso quarto com duas portas, e sonho-te vindo e no meu sonho entras até mim pela porta da direita; se, quando entras, entras pela porta da esquerda, há já uma diferença entre ti e o meu sonho. Toda a tragédia humana está neste pequeno exemplo de como aqueles com quem pensamos nunca são aqueles em quem pensamos."

Fernando Pessoa, in "O Rio da Posse"

terça-feira, março 21, 2006

"Como ainda é inexperiente quem supõe que, ao mostrar espírito e entendimento, recorre a um meio seguro para fazer-se benquisto em sociedade! Na verdade, na maioria das pessoas, tais qualidades despertam ódio e rancor, que serão tão mais amargos quanto quem os sentir não tiver o direito de externar o motivo, chegando até a dissimulá-lo para si mesmo. Isso acontece da seguinte forma: se alguém nota e sente uma grande superioridade intelectual naquele com quem fala, então conclui tacitamente e sem consciência clara que este, em igual medida, notará e sentirá a sua inferioridade e a sua limitação. Essa conclusão desperta o ódio, o rancor e a raiva mais amarga.

(...)

Mostrar espírito e entendimento é uma maneira indireta de repreender nos outros a sua incapacidade e estupidez. Ademais, o indivíduo comum revolta-se ao avistar o seu oposto, sendo a inveja o seu instigador secreto. A satisfação da vaidade é, como se pode ver diariamente, um prazer que as pessoas colocam acima de qualquer outro, mas que só é possível por intermédio da comparação delas próprias com os demais. No entanto, nenhum mérito torna o homem mais orgulhoso do que o intelectual: só neste repousa a sua superioridade em relação aos animais. Exibir superioridade decisiva nesse domínio, e ainda por cima diante de testemunhas é, portanto, a maior ousadia. O opositor sente-se desafiado por tal conduta a praticar vingança e, na maioria das vezes, procurará uma oportunidade para a exercer pela ofensa, passando então do domínio da inteligência para o da vontade, no qual somos todos iguais. Enquanto a posição social e a riqueza podem contar sempre com a alta consideração na sociedade, os méritos intelectuais nunca devem esperar por ela. Nos casos mais favoráveis, serão ignorados; senão, serão vistos como uma espécie de impertinência ou como um bem, que o seu possuidor adquiriu ilicitamente e ainda se atreve a jactar-se. Eis porque cada um se propõe, em segredo, a humilhá-lo de outra forma, esperando apenas a oportunidade mais propícia para o fazer. Mesmo o comportamento mais humilde terá muita dificuldade em conseguir o perdão para a sua superioridade intelectual."

Arthur Schopenhauer, in "Aforismos para a Sabedoria de Vida"

sexta-feira, março 17, 2006

"A mais vil de todas as necessidades - a da confidência, a da confissão. É a necessidade da alma de ser exterior. Confessa, sim; mas confessa o que não sentes. Livra a tua alma, sim, do peso dos teus segredos, dizendo-os; mas ainda bem que os segredos que digas, nunca os tenhas tido. Mente a ti próprio antes de dizeres essa verdade. Exprimir é sempre errar. Sê consciente: exprimir seja, para ti, mentir."

Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego"

terça-feira, março 14, 2006

Questionário


1 - Por que você partiu?
2 - Por que jogou fora nosso apartamento, o sítio, o cinema de domingo, as viagens e os filhos que ainda não tivemos?
3 - Por que escolheu uma quarta-feira de cinzas?
4 - Durante quanto tempo olhou para mim pensando em ir embora, enquanto eu te olhava pensando em te beijar?
5 - Quando minhas piadas deixaram de ter graça?
6 - Quando minhas manias, que antes eram uma gracinha, começaram a te irritar?
7 - Quando o fato de eu demorar a pegar a chave na bolsa para abrir o carro começou a tirar sua paciência?
8 - Quando deixei de ser a mais bonita, a mais engraçada, a mais espirituosa?
9 - Como você conseguiu ser tão meu namorado na terça-feira e absolutamente estranho na quarta?
10 - Quando e onde exatamente nos perdemos?
"Distância e longa ausência prejudicam qualquer amizade, por mais desgostoso que seja admiti-lo. As pessoas que não vemos, mesmo os amigos mais queridos, aos poucos se evaporam no decurso do tempo até ao estado de noções abstratas, e o nosso interesse por elas torna-se cada vez mais racional, de tradição. Por outro lado, conservamos interesse vivo e profundo por aqueles que temos diante dos olhos, nem que sejam apenas os animais de estimação. Tão presa aos sentidos é a natureza humana. Por isso, aqui também são sábias as palavras de Goethe: o tempo presente é um deus poderoso. Os amigos da casa são chamados assim com justeza, pois são amigos mais da casa do que do dono, portanto, assemelham-se antes aos gatos do que aos cães. Os amigos dizem-se sinceros; os inimigos o são. Sendo assim, deveríamos usar a censura destes para nosso autoconhecimento, como se fosse um remédio amargo. Os amigos são raros na necessidade? Não, pelo contrário! Mal fazemos amizade com alguém, e logo ele estará em dificuldade, pedindo dinheiro emprestado."

Arthur Schopenhauer, in "Aforismos para a Sabedoria de Vida"