quinta-feira, janeiro 25, 2007

“Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!
(...)
Deixa-te de histórias
Some-te daqui!”

Vinicius de Moraes

Você deve continuar desconhecendo o que tenho vivido, e por onde tenho andado. Não preciso mais me confessar.

A tua futilidade eu nunca perdoarei. Perdoei sempre as tuas indecisões a meu respeito. Chega. Não perdôo a sua leveza diante da minha alma, de uma gravidade que você não é capaz de imaginar, de uma experiência na dor e no pensamento que a sua infância de filho único não saberia avaliar.

terça-feira, janeiro 23, 2007

"- Nunca se faz nada da vida.
- Mas ela faz alguma coisa de nós.
- Nem sempre... O que espera você da sua?
- Penso que sei sobretudo o que não espero dela...
- De cada vez que você teve de optar, não se...
- Não sou eu que opto: é aquilo que resiste.
- Mas o quê?
- À consciência da morte.
- A verdadeira morte, é a decadência. É tão mais grave, envelhecer ! Aceitarmos o nosso destino, a nossa função, a casota de cão erguida na nossa vida única... Não se sabe o que é a morte quando se é novo... "

André Malraux, in 'A Estrada Real'

sábado, janeiro 20, 2007

Campanha hipocrisia zero

Continuo firme no meu propósito de distinguir o essencial do acidental, o importante do irrelevante. O texto abaixo, que tanta preocupação despertou em alguns dos meus três ou quatro leitores, é apenas reflexo disso. Resolvi simplesmente embargar o comércio de tolices convencionais e frivolidades pessoais.

Tenho tentado fugir do embotamento que parece avançar sobre todos os meus conhecidos, no qual a expressão “estou super bem!” é aceita como produto de primeira necessidade. Isso já é estado de calamidade. Favoreçam-me com sua ausência, pessoas despreocupadas. Refiro-me aos inconscientes que, quando perguntados sobre o estado das coisas, respondem "Tudo ótimo!". Como? Nem banqueiro brasileiro tem o direito de dizer "Beleza pura". Se o que falta a esses contentes inexplicáveis é angústia, eu tenho um punhado para distribuir.

Os diálogos a que tenho me submetido são obras-primas da dissimulação. Ninguém declara o que vê, todo mundo se empenha com devoção em atenuar, aparar e remoldar a sua própria condição humana.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

- Já apareceu a professora brasileira?

Confesso que quando me ouvi assim referida, as lágrimas me vieram aos olhos. Saí do Brasil, onde vivi por 26 anos em um ambiente de suposta consideração e respeito. À minha já exarcebada sensibilidade somava-se uma delicadeza extrema, que por sua vez continha o orgulho de ser inteligente e relativamente bem-sucedida. Em outras palavras, a mulher que deixou o Brasil era superior e digna: um epíteto desses feriu-a como uma bofetada. Agora, depois não sei quantos pés na bunda e outras porradas mais brutais, sou outra, insensível e cínica, mais forte talvez; porém muito diminuída, caída das nuvens e não de um sétimo andar, imperfeita e fracassada. Sei que isso tudo é uma questão de semântica: amanhã ou na semana que vem esse vocativo não terá mais significação injuriosa. Essa reflexão, porém, não me conforta, porque continuo sentindo na suposta indignidade do tratamento todo o desconhecimento das minhas qualidades e das minhas conquistas pessoais e profissionais.

Cada passo em territória estrangeiro custa grandes esforços e algumas humilhações. Sinto ainda muito abertas as feridas que o choque com o mundo me causaram. Julgo-as consicentemente desmerecidas, acovardo-me diante da perspectiva de novas privações, que tornarão minhas ambições ainda menores. Chego a considerar-me feliz como professora de português. Eu atravessei o Atlântico e não tenho coragem de nadar novamente para a terra firme da minha casa. Creio na minha capacidade de me iludir: espero sinceramente chegar a ter até orgulho dessa minha posição.

Não quero que a vida me leve, detesto essa expressão e a idéia que ela contém. Não quero deixá-la ao acaso. Ainda devo satisfações às aspirações da mulher que deixou o Brasil.

Pensei que os livros e títulos brasileiros me bastassem, que eu me satisfizesse a mim própria. As noções que acumulei, não as sei empregar nem para o meu sucesso, nem para a minha fortuna. Sou estéril e incapaz. As palavras fogem. O que mais me aborrece é ter chegado até aqui e constatado o vazio de tudo, quase isolada dos meus e dos que talvez me pudessem entender. Tenho a impressão de que as pessoas que quero bem continuam se movendo, satisfeitas. Para que perturbá-las com a minha angústia e o meu desespero?