sábado, maio 30, 2009

“Nunca me senti em casa no Brasil, ninguém está em casa no Brasil: todo mundo foi tomar um cafezinho. Acho que, de alguma maneira ou de outra, eu estava embromando ou sendo embromado por alguém. Que viver não era nada daquilo, que eu não tinha nada com o peixe.

(...)

Em tudo o que eu engolia ficava uma ponta de tradução atravessada em minha garganta: os filmes com legendas em português, as histórias em quadrinhos, os livros, as notícias. Éramos uma versão pobre do que a vida deveria ser – e a vida sempre vinha em inglês, em francês, em alemão. Mesmo quando dizia ‘eu te amo’ ou ‘não me chateia’, eu me sentia vagarosamente ridículo, apropriador – feito um homem de série da televisão mal dublado; minha boca fechada e as palavras ainda saindo, um ventríloquo com descontrole psicomotor.

Não lia, portanto, O Negrinho do Pastoreio – o que já preparava o terreno até para eu deixar de ler Machado de Assis ou Dalton Trevisan. Comprava Pocketbooks, que eram mais baratos, mais engraçados, e, de certa forma, sobre mim, a meu respeito.

Reconheci, pelo paladar, pelos olhos, certas coisas tipicamente brasileiras (o problema é que eram típicas): feijoada, dendê, folha seca de Dindi, Noel Rosa, escola de samba. Mas a essência, a parte que tratava de mim (nos meus seis quarteirões, na cidade do sul do país) e de minha relação com os severinos todos, essa parte era sempre tratada em outra língua; eu pertencia aos estrangeiros, foram eles que me disseram como vim a fazer parte ou como nunca fiz parte. Eu era, como todo brasileiro, um improvisador, um adaptador, um tradutor, comnsequentemente um traidor – porque eu olhava para a cara de meu semelhante e não sabia como poderíamos nos entender, o que ele tinha a me dizer, o que eu poderia lhe dizer, como juntos conseguiríamos nos salvar. No entanto, o tempo todo, eu era, eu sou, apenas mais um João, só que em russo.

Ivan Lessa, in “Somos todos estrangeiros”
"Weg mit den bis zum Überdruss verbrauchten Wörtern Optimismus und Pessimismus! Denn der Anlass, sie zu gebrauchen, fehlt von Tag zu Tage mehr: nur die Schwätzer haben sie jetzt noch so unumgänglich nötig."

Friederich Nietzsche, in "Menschliches, Allzumenschliches"
"Muita coisa foi dita sobre a perplexidade e a solidão do homem depois que o Céu desapareceu da crença ativa. Sabemos que o vazio neutro dos céus e sabemos dos terrores que este desaparecimento acarretou. Mas pode ser que a perda do Inferno tenha sido o deslocamento mais severo. Pode ser que a transformação do Inferno em metáfora tenha deixado uma lacuna formidável nas coordenadas de que a mente ocidental dispõe para a localização, para o reconhecimento psicológico. Não ter nem Céu nem Inferno é ficar intolerantemente carente e solitário em um mundo que se tornou plano. Dos dois, o Inferno demonstrou ser o mais fácil de recriar."

George Steiner, in "No castelo do Barba Azul"
"Manchmal weiß ich, dass ich ein Mensch bin, der angefangen hat, auf einem Seil zu tanzen, ohne es gelernt zu haben. Natürlich werde ich abstürzen, und niemand, selbst wenn er wollte, könnte mich auffangen. Aber es gibt nichts Erregenderes, als auf einem Seil zu tanzen, wenn man nur ein Amateur ist."

Marlen Haushofer, in "Die Tapetentür"
"Wenn jemand sucht," sagte Siddharta,"
dann geschieht es leicht,
dass sein Auge nur noch das Ding sieht, das er sucht,
dass er nichts zu finden, nichts in sich einzulassen vermag,
weil er nur immer an das Gesuchte denkt,
weil er ein Ziel hat, weil er vom Ziel besessen ist.
Suchen heißt: ein Ziel haben.
Finden aber heißt: frei sein, offen stehen, kein Ziel haben."


Hermann Hesse, in "Sidharta"

Ich hab noch einen Koffer in Berlin,
deswegen muss ich nächstens wieder hin.
Die Seligkeiten vergangener Zeiten
sind alle noch in meinem Koffer drin.

Ich hab noch einen Koffer in Berlin.
Der bleibt auch dort und das hat seinen Sinn.
Auf diese Weise lohnt sich die Reise,
denn, wenn ich Sehnsucht hab, dann fahr ich wieder hin.

Wunderschön ist’s in Paris auf der Rue Madelaine.
Schön ist es, im Mai in Rom durch die Stadt zu gehen,
oder eine Sommernacht still beim Wein in Wien.
Doch ich denk, wenn ihr auch lacht, heut’ noch an Berlin.
Ich hab noch einen Koffer in Berlin, ....
Denn ich hab noch einen Koffer in Berlin.

Marlene Dietrich, "Ich hab' noch einen Koffer in Berlin"

sexta-feira, maio 29, 2009

"Felipe lembrou-se da história do Rei do Oriente que, desejando conhecer a história da humanidade, recebeu de um sábio quinhentos volumes; ocupado com negócios de Estado, pediu-lhe que a condensasse. Ao cabo de vinte anos, o sábio voltou e a sua história ocupava agora apenas cinquenta volumes; mas o rei, já velho demais para ler tantos livros volumosos, pediu-lhe que a fosse abreviar mais uma vez. Passaram-se de novo vinte anos, e o sábio, velho e encanecido, trouxe um único volume com os conhecimentos que o rei procurara; este, porém, estava deitado no seu leito de morte, nem tinha mais tempo de ler sequer aquilo. Aí o sábio deu-lhe a história da humanidade numa única linha: "Nasceram, sofreram, morreram"."

Somerset Maugham, in "A Servidão Humana"

Deus, estou zangada contigo. Suponho que já Te habituaste às minhas zangas como Te habituaste à minha falta de fé, às minhas dúvidas, aos meus afastamentos, aos meus regressos a fingir que não venho, aos momentos de harmonia que raramente existem entre nós, à minha incompreensão de tanta coisa que fazes ou não fazes, aos meus resmungos, ao que considero as Tuas injustiças, a Tua crueldade e se calhar não é injustiça, de repente nem é crueldade, sou mesmo besta, não faças caso, não consigo entender as Tuas profundezas e os Teus caminhos, o significado dos Teus gestos. Só que ultimamente tens exagerado. Explica-Te, mereço, no mínimo, uma justificação. Há coisas que doem, no caso de andares distraído: EU, desempregada?



segunda-feira, maio 25, 2009

"Wir haben das Recht, Deutschland zu hassen, weil wir es lieben."

Kurt Tucholsky, in "Heimat"

quinta-feira, maio 21, 2009

Hoje recebi pelo menos três mensagens (melhor dizendo, intimações) de amigos que insistem para que eu faça a inscrição no Concurso do TJSP para Juiz Substituto. Lembrei-me de uma crônica muito boa que li há pelo menos quinze anos em um dos livros da coleção "Para gostar de ler" (alguém se lembra dela?):

" (...)

Antenor, apesar de não ter importância alguma, era exceção mal vista. Esse rapaz, filho de boa família (tão boa que até tinha sentimentos), agira sempre em desacordo com a norma dos seus concidadãos.

Desde menino, a sua respeitável progenitora descobriu-lhe um defeito horrível: Antenor só dizia a verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada, a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão com que se dirigia aos outros. Enquanto usara calções, os amigos da família consideravam-no um enfant terrible, porque no País do Sol todos falavam francês com convicção, mesmo falando mal. Rapaz, entretanto, Antenor tornou-se alarmante. Entre outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim, a família via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os transeuntes, vendo-o passar, sorriam.

Com o fim de convencer Antenor de que devia seguir os tramitas legais de um jovem solar, isto é: ser bacharel e depois empregado público nacionalista, deixando à atividade da canalha estrangeira o resto, os interesses congregados da família em nome dos princípios organizaram vários encontros como aqueles que se fazem na inexistente democracia americana para provar que a chave abre portas e a faca serve para cortar o que é nosso para nós e o que é dos outros também para nós. Antenor, diante da evidência, negou-se.

— Ouça! bradava o tio. Bacharel é o princípio de tudo. Não estude. Pouco importa! Mas seja bacharel! Bacharel você tem tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo lisonjear, é a ascensão: deputado, ministro.

— Mas não quero ser nada disso.

— Então quer ser vagabundo?

— Quero trabalhar.

— Vem dar na mesma coisa. Vagabundo é um sujeito a quem faltam três coisas: dinheiro, prestígio e posição. Desde que você não as tem, mesmo trabalhando — é vagabundo.

— Eu não acho.

É pior. É um tipo sem bom senso. É bolchevique. Depois, trabalhar para os outros é uma ilusão. Você está inteiramente doido.

Antenor foi trabalhar, entretanto. E teve uma grande dificuldade para trabalhar. Pode-se dizer que a originalidade da sua vida era trabalhar para trabalhar. (...)"


João do Rio


segunda-feira, maio 11, 2009

"A riqueza moral tem estreitas afinidades com a material; (...) não é difícil perceber por que razão isso acontece. É que a moral substitui a alma pela lógica; quando uma alma tem moral, deixam de existir para ela problemas morais, todos são problemas lógicos; pergunta-se se aquilo que quer fazer obedece a este ou àquele mandamento, se a sua intenção deve ser interpretada de uma maneira ou de outra, e coisas semelhantes. Seria como se uma horda caótica de gente se transformassse numa classe de ginástica disciplinada que, a um sinal do monitor, obedecesse às ordens de torção à direita, esticar os braços ou flectir os joelhos. Mas a lógica pressupõe experiências passíveis de repetição; é óbvio que, no momento em que os acontecimentos mudassem num torvelinho em que nada se repete, nunca chegaríamos a poder expressar a profunda intuição de que A é igual a A, ou de que o que é maior não pode ser menor, mas limitar-nos-íamos a sonhar - um estado que qualquer pensador detesta. E o mesmo se pode dizer da moral, pois se não existisse nada que se pudesse repetir, nada nos poderia ser prescrito, e sem poder prescrever nada às pessoas a moral não teria graça nenhuma. Este atributo da repetitividade, próprio da moral e da razão, é ainda mais indissociável do dinheiro; este consiste precisamente nisso e, desde que não sofra desvalorização, divide e classifica todos os prazeres do mundo em pequenos blocos de poder de compra com os quais construímos o que quisermos. É por isso que o dinheiro é moral e racional; e como todos sabemos que o inverso não é verdadeiro, isto é, que todo o homem moral e racional tem dinheiro, daí se deduz que esses atributos residem originalmente no dinheiro, ou pelo menos que o dinheiro é o coroamento de uma existência moral e racional."

Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'

"...é possível que uma correspondência particular entre duas pessoas que se amaram ofereça algo de ainda mais triste; pois o que vemos não são mais os homens, mas o homem.


De início, as cartas são longas, vivas; multiplicam-se; o dia não lhes basta: escreve-se ao pôr do sol; traçam-se algumas palavras ao luar, incumbindo seu brilho silencioso, discreto e casto de cobrir mil desejos com seu pudor. Separamo-nos ao nascer do dia; do nascer do dia esperamos a primeira luz para escrever o que acreditamos ter esquecido de dizer. Mil juras cobrem o papel, onde se reflete o rosa da aurora; mil beijos se jogam sobre as palavras que parecem nascer ao primeiro olhar do sol; nenhuma ideia, nenhuma imagem, nenhum devaneio, acidente ou inquietude que não tenha a sua carta.


Eis que, certa manhã, algo de quase insensível desliza sobre a beleza daquela paixão, como a primeira ruga na fronte da mulher amada. O sopro e o perfume do amor expiram nessas páginas de mocidade, como uma brisa adormece à tarde sobre as flores; é o que percebemos, mas não ousamos confessar. As cartas se abreviam, diminuem em seu número, se preenchem de notícias, de descrições, de coisas de outra ordem; algumas cartas chegam com atraso, mas não há como se inquietar por isso; na certeza de amar e de estar sendo amados, ficamos mais tranquilos; não reclamamos, estamos conformados com a ausência. As juras seguem sempre seu caminho; são sempre as mesmas palavras, mas morreram; não têm mais alma: eu te amo nada mais é que uma expressão habitual, um protocolo gentil, o cordialmente de toda carta de amor. Pouco a pouco o estilo enregela, ou se irrita, e o dia do correio não é mais impacientemente esperado; é temido; escrever vira fadiga. Coramos em pensamento a respeito das loucuras confiadas ao papel; gostaríamos de reaver as cartas para jogá-las ao fogo. Que sobreveio de tudo? Será uma nova ligação que começa ou uma velha que termina? Não importa: o amor morre antes do objeto amado. Temos de reconhecer que os sentimentos do homem se expõem ao efeito de um trabalho oculto; febres do tempo, que produzem o cansaço, dissipam a ilusão, minam os transportes e mudam os corações, como mudam nossos cabelos e nossos anos. Contudo existe uma exceção a essa enfermidade das coisas humanas; ocorre por vezes que numa alma forte o amor dura o bastante para se transformar em amizade apaixonada, para tornar-se um dever, para adquirir as qualidades de uma virtude; é assim que perde sua transitoriedade natural e vive de princípios imortais."


François-René de Chateaubriand

domingo, maio 03, 2009

"Pensando bem, não saia do Brasil: dá muito azar. Não resolve. Viajar é uma asneira. Perde-se lá e nada se ganha cá. Boa romaria faz quem em casa fica em paz."

Fernando Sabino