domingo, dezembro 18, 2005

"ANDE YO CALIENTE Y RÍASE LA GENTE

Traten otros del gobierno
del mundo y sus monarquías,
mientras gobiernan mis días
mantequillas y pan tierno;
y las mañanas de invierno
naranjada y aguardiente,
y ríase la gente.

Coma en dorada vajilla
el Príncipe mil cuidados
como píldoras dorados,
que yo en mi pobre mesilla
quiero más una morcilla
que en el asador reviente,
y ríase la gente.

Cuando cubra las montañas
de blanca nieve el enero,
tenga yo lleno el brasero
de bellotas y castañas,
y quien las dulces patrañas
del Rey que rabió me cuente,
y ríase la gente.

Busque muy en buena hora
el mercader nuevos soles;
yo conchas y caracoles
entre la menuda arena,
escuchando a Filomena
sobre el chopo de la fuente,
y ríase la gente.

Pase a media noche el mary arda en amorosa llama
Leandro por ver su dama;
que yo más quiero pasar
del golfo de mi lagarla blanca o roja corriente,
y ríase la gente.

Pues Amor es tan cruelque de Píramo
y su amadahace tálamo una espada,
do se junten ella y él,
sea mi Tisbe un pastely la espada sea mi diente,
y ríase la gente."

Luis de Góngora y Argote

terça-feira, dezembro 13, 2005

"ENSINAMENTO

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
'Coitado, até essa hora no serviço pesado.'
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo."

Adélia Prado
Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com o seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
De um tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço, um consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via o infinito
Sem presente, passado ou futuro
Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim
E que não tem fim
De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito
porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

Cazuza

sexta-feira, dezembro 09, 2005

"¿Qué es la vida? Un frenesí.
¿Qué es la vida? Una ilusión,
una sombra, una ficción;
y el mayor mas bien es pequeño;
que toda la vida es sueño,
y los sueños, sueños son.
Respóndete retórico el silencio:
cuando tan torpe la razón se halla,
mejor habla, señor, quien mejor calla."

Pedro Cálderón de la Barca, in "La vida es sueño"
"Das Recht auf ein gescheitertes Leben ist unantastbar."

Die fabelhafte Welt der Amelie Poulain

quarta-feira, dezembro 07, 2005

"A vida, disse Gabriel Tarde, é a busca do impossível através do inútil. Busquemos sempre o impossível, porque tal é o nosso fado; busquemo-lo através do inútil, porque não passa caminho por outro ponto; ascendamos, porém, à consciência de que nada buscamos que possa obter-se, de que por nada passamos que mereça um carinho ou uma saudade. Cansamo-nos de tudo, exceto de compreender, disse o escolista. Compreendamos, compreendamos sempre, e façamos por tecer astuciosamente capelas ou grinaldas que hão-de murchar também, as flores espectrais dessa compreensão."

Fernando Pessoa, in "Livro do Desassossego"

segunda-feira, dezembro 05, 2005

ESPERANÇA

Só a leve esperança em toda a vida
disfarça a pena de viver, mais nada;
nem é mais a existência resumida
que uma grande esperança malograda.

O eterno sonho da alma desterrada,
sonho que a traz ansiosa e embevecida,
é uma hora feliz, sempre adiada
e que não chega nunca em toda a vida.

Essa felicidade que supomos
árvore milagrosa que sonhamos
toda arriada de dourados pomos

existe sim; mas nós não n´a encontramos,
porque está sempre apenas onde a pomos
e nunca a pomos onde nós estamos.

Vicente de Carvalho
"Involuntariamente, inconscientemente, nas leituras, nas conversas e até junto das pessoas que o rodeavam, procurava uma relação qualquer com o problema que o preocupava. Um ponto o preocupava acima de tudo: por que é que os homens da sua idade e do seu meio, os quais exatamente como ele, pela sua maior parte, haviam substituído a fé pela ciência, não sofriam por isso mesmo moralmente? Não seriam sinceros? Ou compreendiam melhor do que ele as respostas que a ciência proporciona a essas questões perturbadoras? E punha-se então a estudar, quer os homens, quer os livros, que poderiam proporcionar-lhe as soluções tão desejadas.

(...)

Atormentado constantemente por estes pensamentos, lia e meditava, mas o objetivo perseguido cada vez se afastava mais dele. Convencido de que os materialistas nenhuma resposta lhe dariam, relera, nos últimos tempos da sua estada em Moscou, e depois do seu regresso à aldeia, Platão e Espinosa, Kant e Schelling, Hegel e Schopenhauer. Estes filósofos satisfaziam-no enquanto se contentavam em refutar as doutrinas materialistas e ele próprio encontrava então argumentos novos contra elas; mas, assim que abordava - quer através das leituras das suas obras, quer através dos raciocínios que estas lhe inspiravam - a solução do famoso problema, sucedia-lhe sempre a mesma coisa. Termos imprecisos, tais como 'espírito', 'vontade', 'liberdade', 'substância', ofereciam um certo significado à sua inteligência enquanto se deixava envolver na subtil armadilha verbal que lhe armavam; logo que regressava, porém, depois de uma incursão na vida real, a este edifício que supusera sólido, ei-lo que via desmoronar-se como um castelo de cartas, vendo-se obrigado a reconhecer que o edificara graças a uma perpétua transposição dos mesmos vocábulos, sem recorrer a essa 'qualquer coisa', que, na prática da vida, importa mais do que a razão.

Schopenhauer proporcionou-lhe dois ou três dias de serenidade, mercê da substituição a que procedeu em si próprio da palavra 'amor' por aquilo a que o filósofo chamava 'vontade'. Quando o examinou, porém, do ponto de vista prático, esse novo sistema estiolou-se como todos os outros, mero traje de musselina que era no fundo. Como Sérgio Ivanovitch lhe tivesse recomendado os escritos teológicos de Komiakov, foi ler o segundo volume das suas obras. Embora desanimado logo de início pelo sentido polémico e afecetado do autor, nem por isso deixou de se sentir menos impressionado com a sua teoria da Igreja. A crer em Komiakov, o conhecimento das verdades divinas, recusado a um homem só, é concedido a um conjunto de pessoas que comungam do mesmo amor, isto é, a Igreja. Esta teoria reanimou Levine; uma vez que aceitasse a Igreja, instituição viva de caráter universal, com Deus à frente, e santa infalível por conseguinte, era-lhes mais fácil aceitar os seus ensinamentos sobre Deus, a criação, a queda, a redenção, que principiar do princípio, pelo próprio Deus, esse ser longínquo e misterioso. Infelizmente, tendo lido em seguida duas histórias eclesiásticas, uma de um escritor católico, outra de um escritor ortodoxo, chegou à conclusão de que as duas Igrejas, ambas infalíveis na sua essência, se repudiavam mutuamente. E a doutrina teológica de Komiakov não resistiu mais ao seu exame do que os sistemas filosóficos.

Durante toda aquela Primavera, Levine parecia outra pessoa. Viveu momentos terríveis. 'Não posso viver sem saber o que sou e com que fim fui lançado a este mundo', dizia ele de si para consigo. 'E visto que não poderei chegar a sabê-lo, torna-se-me impossível viver. No tempo infinito, na infinidade da matéria, no espaço infinito forma-se um organismo como uma borbulha, mantém-se por algum tempo, depois arrebenta. Essa borbulha sou eu!' Este sofisma doloroso era o único, era o supremo resultado do raciocínio humano levado a cabo durante séculos; era a crença final da base de quase todos os ramos da atividade científica; era a convicção reinante.

E porque lhe parecia a mais clara, Levine, involuntariamente, deixara-se penetrar por ela. Mas esta conclusão parecia-lhe mais que sofística; via nela como que a obra cruelmente irrisória de uma força inimiga a que era preciso subtrair-se. A maneira de se emancipar disso estava ao alcance de cada um... E a tentação do suicídio perseguiu tão frequentemente aquele homem sadio, aquele feliz pai de família, que tratou de afastar de si todas as cordas e nem sequer se atrevia a sair com a espingarda. Contudo, em vez de se enforcar ou de queimar os miolos, continuaria muito simplesmente a viver. "

Leon Tolstoi, in "Ana Karenina"
A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação.
Nada como aprender alemão. Desde que vim para cá percebi, um tanto confusamente, que preciso entender os outros para tentar me entender um pouco melhor, quer dizer, para poder me comparar ao que eu não sou. O que eu não sou, entretanto, me ameaça. Freud criou uma palavra em alemão que traduz essa sensação: “unheimlich”. É meio intraduzível. “Heim” por vezes significa casa, em outras ocasiões pátria e em outras vezes ainda quer dizer lar. O prefixo “un” equivale ao “in” ou “des” em português.

Polanski soube explorar muito bem essa sensação no filme "O Inquilino" (sim, a maçante televisão alemã é às vezes uma ótima companhia). No filme, um polonês em Paris vivencia um processo de despersonalização. A trama tem início quando o sujeito, depois de muita dificuldade, consegue alugar um apartamento. Ao mesmo tempo, fica sabendo que a ex-inquilina está agonizante no hospital, para onde foi levada após tentar suicídio. O fantasma da mulher moribunda desperta sua angústia. Ocupar o lugar dessa outra ou o espaço por ela habitado, que preservava ainda seus sinais e seus objetos, passou a representar uma ameaça. A condição mesma de inquilino assinala a falta do próprio habitat. Longe do espaço familiar, o tal polonês sente-se desprotegido e, ao perder o pouco que tinha de referência de si mesmo, fica aberto à incidência ameaçadora e assutadora do outro.