domingo, junho 24, 2007

Väterliche Fürsorge

"Und dann sagte er: 'Du kannst jederzeit kommen.' Mein Vater sah mich an. Ich glaubte ihm nicht und nickte."

Bernhard Schlink, in "Der Vorleser"

quarta-feira, junho 20, 2007

Desabafo gastronômico

Na Alemanha o café é uma bebida desconhecida. Você pode conseguir o que eles acham que é café. Uma coisa fraca, sem gosto e sem graça, praticamente imbebível. Depois de alguns meses tomando "café" alemão, a mente enfraquece, a fé vai junto e a pessoa começa a imaginar se a bebida quente e forte que tomava no Brasil não passa de mera alucinação.

A seguir vem o pão alemão: muito bonito, muito saboroso, tem estilo, mas é frio, além de duro. Existem milhares de tipos, todos realmente muito gostosos, mas nenhum tem o poder de sedução de um pãozinho francês recém saído do forno.

E vem a carne. Na Alemanha, a simples menção à palavra "carne" remete à imagem de uma bisteca de porco que não souberam cozinhar. O tal bife de porco, ou Schnitzel, vem à mesa no meio de um grande prato oval, cercado de batatas imersas em gordura. Tem o tamanho, a cor, a forma e a consistência de uma luva cirúrgica sem o polegar. É seco e tem gosto de nada.

Agora imagine uma brasileira exilada contemplando essa coisa inerte e pensando numa autêntica picanha, suculenta, ao ponto, crepitando, temperada apenas e tão somente com o bom e velho sal grosso e acompanhada por vinagrete.

Frutas frescas são distribuídas no prato como jóias, e não com a liberalidade brasileira. Goiaba? Jabuticaba? Ninguém nunca ouviu falar. Acho que as únicas árvores frutíferas cultivadas na Alemanha são macieiras. Existe até mesmo um refrigerante de maçã muito popular que os alemães insistem em afirmar que é delicioso, mas que na verdade lembra uma mistura de vinagre branco e água com gás.

Outro dia fiz um mini churrasco em casa. Tão logo comecei minha peregrinação pelos supermercados da cidade, em busca de um sincero corte de alcatra (com esforço, paciência e dinheiro é possível encontrar alcatra), ouvi comentários como "você não pretende comprar molho barbecue para a carne?" - sacrilégio!, ou "onde estão as lingüiças de sangue de porco?"

No momento em que escrevo, há meses não tenho uma refeição saborosa. Por mais que eu finalmente tenha aprendido a cozinhar, é impossível encontrar pastel de feira, carne seca ou farofa por aqui...

segunda-feira, junho 11, 2007

Para Estupidista, com carinho.

“Até logo, até logo, companheiro,
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
É sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
Tampouco há novidade em estar vivo.”

Maiakovski
Xenofobia


Eu estava esperando o horário de atendimento ao público na Universidade de Frankfurt e para matar o tempo recorri a um supermercado nas cercanias.

Dentro do supermercado, dezenas de imigrantes. Despachei-me em dez minutos. Um pacote de bolachas e um ice-tea. Quem vai a supermercados alemães tem sempre a sensação de território de ninguém, com produtos empilhados ainda em suas caixas de papelão originais. Penso nos atacadões e nos supermercados financiados por cooperativas na periferia, em São Paulo. As mercadorias são apresentadas como se tratasse de uma missão humanitária, desesperada. Os alemães justificam a questão estética. "É somente com a economia na apresentação dos produtos que preços tão baixos podem ser praticados."

Já na fila para pagar, uma imagem: ao fundo, uma senhora negra é obrigada pela menina da caixa – e perante os restantes clientes - a abrir a mochila. Não foi puxada ao lado nem coisa que o valha por causa de uma desconfiança de momento. Pagou o que levava e, com cara de quem sabe o que a espera, resignada, abriu a mochila e ainda simulou um sorriso. A menina do caixa murmurou um "Schwarzerin (negra)". A senhora negra educadamente perguntou "wie bitte (como, por favor)?" Resposta: "Ihr stinkt (vocês fedem)."

Ninguém estranhou. Tive a impressão de que aquela caixa de supermercado poderia perfeitamente repetir esse comentário todos os dias, e ele seria considerado normal. Sucederam-se mais uns clientes. Brancos. E nada. No Brasil, trata-se de crime inafiançável.

Ainda estupefata, dirigi-me à universidade. Lá recebi a notícia de que todos os documentos que apresentei para a candidatura à vaga do mestrado simplesmente desapareceram, apesar de encaminhados e recebidos pelo secretariado da Universidade. Cópias autenticadas pelo consulado alemão em São Paulo, traduções juramentadas que consumiram grande parte das minhas economias. Pedi uma solução para o meu problema – há prazo para a matrícula do semestre seguinte, e uma viagem ao Brasil seria financeiramente inviável. Resposta, um tanto quanto irônica: "Haben Sie keine Urlaub vor? (você não está planejando umas férias)? "

Quase chorando, argumentei com o fato de que o decanato da Faculdade de Direito confirmara o recebimento da documentação, e que me sugerira procurar o Secretariado, já que não estava mais em posse dos papéis. A sugestão foi feita via e-mail, ou seja, há prova escrita de que foi efetuada. Seguiu-se uma tensa conversa entre o secretariado e o decanato pelo telefone. A responsável pelo decanato pediu então para falar comigo. Apanhei o aparelho e ouvi, chocada, que "Sie können das nicht machen, die Kollegen gegeneinander zu stellen. Ich habe es nie gesagt, dass Ihre Unterlagen in Sekretariat waren (você não pode colocar os colegas uns contra os outros. Eu nunca afirmei que a sua documentação estaria no secretariado)." Não pude contestar a injusta acusação. A ligação foi bruscamente iterrompida, ou, em bom português, bateram o telefone na minha cara. Meu histórico escolar continua desaparecido, local incerto e não sabido.

Sexta-feira, dia seguinte a um feriado nacional. Telefono para o decanato, em busca de informações adicionais ou novidades. "Ihr Deutsch ist sehr schlecht. Rufen Sie bitte am Montag an, und versuchen Sie es, auf Englisch zu sprechen (seu alemão é muito ruim. Telefone na segunda-feira e tente então falar em inglês)."

Humilhação. Mais do que nunca identifiquei-me com a senhora negra do supermercado. Moro na Alemanha há dois anos, passei por várias avaliações e a própria universidade considera os meus conhecimentos da língua alemã excelentes, conforme atestam um dos quatro ou cinco diplomas que obtive durante esse período. Um deles inclusive foi expedido pela própria universidade.

E então também fui apanhada – mais uma vez - pelo estigma da imigração.

quarta-feira, junho 06, 2007

Meu coração tropical está coberto de neve, mas... não quero ser mulher de uma nota só. Estou tão longe daqui. Hoje eu tenho quase certeza de que a vinda nada mais é do que a condição da volta.


Eu vou, vou voltar pro meu sertão
Pois aqui não fico, não
Quero mais que água pra viver