segunda-feira, outubro 29, 2007

"Após uma boa hora de conversa, entendemo-nos perfeitamente. Amanhã vem ter comigo com as mãos na cabeça, gritando:

- Como é possível? O que é que você percebeu? Não me disse isto e isto?

Isto e isto, perfeitamente. Mas o problema é que você, meu caro, nunca saberá nem eu lhe poderei nunca dizer como se traduz, em mim, aquilo que você me disse. Não falou turco, não. Eu e você usámos a mesma língua, as mesmas palavras. Mas que culpa temos nós de que as palavras, em si, sejam vazias? Vazias, meu caro. Ao dizê-las a mim, você preenche-as com o seu sentido; e eu, ao recebê-las, inevitavelmente preencho-as com o meu sentido. Pensámos que nos entendíamos; de facto, não nos entendemos.

E conto velho também é o facto de o sabermos. Eu não pretendo dizer nada de novo. Apenas volto a perguntar-lhe:

- Porque continua, então, a proceder como se não o soubesse? Porque continua a falar-me de si se sabe que para ser para mim como é para você mesmo e para eu ser, para si, como sou para mim, seria preciso que eu, dentro de mim, lhe desse a mesma realidade que você dá a si mesmo, e vice-versa, e isso não é possível?

Infelizmente, meu caro, faça o que fizer, dar-me-á sempre uma realidade à sua maneira, mesmo acreditando de boa-fé que é à minha maneira; e será, não digo que não; talvez seja; mas um «à minha maneira» que eu não conheço nem poderei nunca conhecer; que apenas você, que me vê de fora, conhecerá: portanto, um «à minha maneira» para si, não um «à minha maneira para mim»."

Luigi Pirandello, in "Um, Ninguém e Cem Mil"

domingo, outubro 28, 2007

O Brasil num boteco da Windscheidstrasse - João Ubaldo Ribeiro, in O Estado de São Paulo 28.10.2007

"–Bernd, você toma sua cerveja aí e eu fico aqui quieto. Você não se esqueceu do que aconteceu na Copa? Se não seguram aquele francês,eu hoje no mínimo estaria enterrado no Túmulo do Torcedor Desconhecido.

– O francês? Ele não era besta de tocar amão em você. Você se esqueceu de seus amigos alemães? Se o francês lhe desse um sopapo,num instante a gente fazia dele um patê, que é, aliás, a única coisa para que francês serve.

–É,mas aí eu mesmo já teria virado panqueca. Não esqueço o tamanho daquele francês, ele devia ser um lutador de sumô disfarçado de francês.

– Vai ver que era, os franceses são capazes de qualquer coisa. Mas aqui não tem nenhum francês, estamos entre amigos alemães.

– O único amigo meu aqui é você.

– Absolutamente! Aqui são todos amigos, já conhecem você. Eu falo muito em você. O Schneider até lá leu um livro seu. Schneider, este aqui é o Hans, o escritor brasileiro de que sempre falo a vocês.

– Hans?

–É, você aqui é Hans. Ninguém acerta a dizer “João”, de maneira que eu resolvi usar uma tradução simples. Você não quer ser Hans? Se não quiser, vai ter que se acostumar ao pessoal chamar você de Xao. Só quem sabe dizer seu nome aqui sou eu: Djoau, certo?

–Certo, certo. Me chame de Hans, Hans é ótimo. Nunca esperei me chamar Hans, adorei Hans.

– Então está ótimo. Pessoal, este aqui é o Hans! Ele vai fazer uma palestra daqui a pouco, veio fazer palestras. Não é brincadeira, ele no Brasil é o rei da palestra, qualquer coisa ele faz uma palestra, sabe tudo. Então, este é o Hans. Hans, aqui é o Schneider, este aqui é o Friedrich, este é o Joachim, este é o Werner, este é o Dieter, este é o... Bem, você vai conhecer todo mundo daqui a pouco. E eles estão doidos para saber. O Schneider mesmo, como eu já lhe disse, leu um livro seu e gostou muito, não foi, Schneider?

– Gostei muitíssimo. Tive uma certa dificuldade, mas li todo, foi uma grande experiência com a literatura latino-americana.

– Ah, foi difícil, é? Você não entendeu direito?

– Bem, na verdade não entendi nada. Mas foi muito poético, eu não entendia, mas entrava numa espécie de viagem, uma grande viagem. Talvez você não saiba disso, mas nós, alemães, lemos de várias formas e é muito comum a gente aqui ler livros de que não entende nada. Para nós, a leitura pode representar muitas coisas, inclusive não entender nada. Eu mesmo só tenho dois amigos que se meteram a querer entender Hegel, um em Dortmund, cuja mulher não se dá com ele há uns 20anos, e outro internado num hospício em Dusseldorf. Falta de orientação. Hegel não é para entender, é somente para ler, eles sintonizaram na onda errada.

– Isso não deixa de ser um alívio, porque eu também li e não entendi.

– Normal, normal, você é normal. O que é que você leu dele?

– Bem, algumas coisas. Uma vez,num curso,me obrigaram a ler a Filosofia do Direito.

– Impossível! Na Alemanha, também não há caso de quem tenha entendido a Filosofia do Direito. Fantástico! O Brasil é um país fantástico! Um dia eu vou fazer uma visita. Assim que as coisas acabarem de melhorar, eu vou dar um passeio lá.

– Bem, isso talvez demore um pouco.

– É, eu sei da guerra. Mas essa vocês ganham, mais cedo ou mais tarde, vocês ganham.

– Guerra? Que guerra?

– A guerra que a gente vê nos jornais e na televisão. De vez em quando eles mostram a guerra.

–Sim, mas também não é assim, não é bem uma guerra.

– Fantástico! Quer dizer que aqueles blindados, aquelas metralhadoras, o Exército de helicóptero atirando em quem passa lá embaixo, nada disso vocês consideram guerra? Você mora numa zona desmilitarizada?

–Não é bem assim. E não é o Exército, é a polícia mesmo.

– Ah, bom, é uma questão técnica, então, terminologia. Guerra para vocês é só quando o Exército entra. Está certo, então não haverá guerra mesmo. Você ouviu isso, Werner? O Hans aqui disse que não há guerra nenhuma no Brasil.

– Bem, deve estar melhorando muito. O da Silva já deve ter tomado muitas providências, eu tinha certeza de que o da Silva ia acabar com aquilo mesmo.

– Da Silva?

– Os brasileiros são realmente fantásticos! Então você não sabe o nome do próprio presidente?

– Da Silva... Ah, claro. É, o da Silva...

– O da Silva já disse que está resolvendo tudo e disse que é o melhor presidente da História do Brasil. Ah, o Brasil é realmente um país fantástico! Aquele sol, aquelas praias, aquelas mulheres lindas sempre dispostas, que país! Só não joga mais futebol, mas o da Silva acaba consertando isso também. Quando o da Silva sair, com tudo resolvido,eu vou morar lá.

–Taí, grande idéia você me deu. Quando o da Silva sair, se eu ainda estiver vivo, também volto a morar lá numa boa. Algum de vocês aí tem o telefone do serviço de imigração daqui da Alemanha?"

sexta-feira, outubro 12, 2007

Ode à falsidade

Por favor, não seja sincero. Minta descaradamente. Invente. Nunca ouvi coisa boa quando alguém foi sincero comigo. Nunca ouvi uma declaração de amor ou um elogio, mas já fui demitida e levei pés na bunda em prol da sinceridade.

"Posso ser sincero?" é sinônimo de "engole o choro". Pura arrogância. Ser sincero é afastar, repelir, é maldade comportada. Espontaneidade fingida e longamente calculada.

Essa franqueza não ensina, machuca. Essa franqueza humilha. Não seja sincero comigo. Não me faça sofrer em nome da honestidade. A honestidade nada tem a ver com isso.

Não conheço ninguém que algum dia tenha sido franco para proteger, para cuidar, para incentivar. Desde quando se pede licença para bater? Não dou licença, não. Não quero levar porrada.

Não me diga sinceramente o que pensa, porque tenho certeza de que não será nada agradável. Seja sincero consigo, com os outros, comigo não. Não quero sinceridade, quero compreensão, tolerância, respeito, carinho.
Como isso foi acontecer? Tá faltando assunto. O silêncio é constrangedor. O máximo que se sussurra é: "E aí? quais são as novidades?". "A gente se escreve - liga - vê". Como pode a intimidade virar hostilidade?

Uma amiga com quem dividi tudo - confidências, petições, roupa, maquiagem, cabeleireiro. Que servia como álibi para fugas e aventuras. Hoje em dia não conseguimos mais entabular uma conversa que seja mais entusiasmante do que diálogos de ponto de ônibus ou de sala de espera no dentista. Uma amiga fiel que fazia festa comigo, que jurou amizade por toda a vida, que pacientemente ouvia pela enésima vez a mesma reclamação.

É mais fácil conversar em alemão com a minha vizinha do que com ela. É mais fácil comentar amenidades do que transpor a barreira do tempo. Com desconhecidos a efusão é possível. Com a minha antiga melhor amiga, não. A expectativa atormenta, o medo engasga. Complicado atualizar o passado, remexer situações mal resolvidas.

Afora a vergonha implícita. Eu que pretendia ser tão bem sucedida não consegui nada além da rotina de uma imigrante na Alemanha. Não consigo deixar de encarar um reencontro como a cobrança do que eu pretendia viver e não cumpri.

Qualquer tentativa de conversa soa como um interrogatório barato na 35ª DP. "Como vão as coisas no escritório? E o namorado (que eu nunca vi)?" As respostas são tão curtas que desestimulam qualquer um. Será que eu não vou aprender nunca a ser leal?
Pobre menino rico

Ficar solteiro depois de anos de casado deve ser terrível. Na hora de dormir, ele não sai de seu cantinho, condicionado aos movimentos da mulher que não está mais lá.

Não suporta não ter os horários controlados e o excesso de liberdade. O que adianta a liberdade sem alguém para testemunhá-la? Sua conta telefônica diminui sensivelmente. Ninguém mais liga para saber onde ele está. Ele pode dormir fora e morrer atropelado, somente na próxima copa do mundo notarão a sua ausência.

Liga a televisão para não se sentir tão sozinho. Desenvolve uma súbita compaixão súbita pelas plantinhas, porque passou a entender o estado vegetal.

O apartamento dele é um orfanato para adultos. Almoça e janta sozinho - isso quando se alimenta. Descobriu o quanto não era responsável pela sua rotina. Lava suas próprias roupas e pratos, passa as camisas, coloca o lixo para fora, faz supermercado – compra somente garrafas de vinho e manteiga. Ele nunca confere a validade dos produtos na geladeira. Estatisticamente tem grandes chances de morrer intoxicado.

Não sabe mais se aproximar de uma mulher que julgue atraente. Como contar sua história sem mencionar os últimos quinze anos? No auge do desespero começa a ter fantasias eróticas com sua ex-mulher, sendo que quando estava com ela jamais havia cogitado essa possibilidade.

Ele é um sofredor nato, embora negue veementemente o fato. Os móveis estão desfalcados com a partilha. Falta uma cômoda ou um sofá. O apartamento parece grande demais.

quinta-feira, outubro 04, 2007


Segurança, garantia, estabilidade.

1. Casa própria.

2. Emprego público. Ao menor sinal de resfriado, fica-se na cama sem remorso e consegue-se um atestado para mais 15 dias de convalescença. Demissão, nem pensar. Aposentadoria integral.

3. Casamento. De verdade, sem essa de juntar os trapinhos. Tem que ser de papel passado, sem pacto antinupcial, de preferência também no religioso.

1+2+3 = Um incêndio ou uma enchente podem incendiar a casa que nem mesmo está totalmente paga. O futuro presidente pode acabar com a estabilidade do tal cargo público (para o bem da nação, diga-se de passagem). O marido pode sair para comprar cigarros e nunca mais voltar.
Somos das elites, sim - João Mellão Neto

"Se você se formou em alguma faculdade; se você, por acaso, aprendeu mais de um idioma; se você é um profissional liberal bem-sucedido ou ocupa um cargo elevado na empresa em que trabalha, cuidado. Esconda os seus diplomas no armário, jamais torne a usar os seus ternos sob medida e trate de comprar um carro velho ou popular. Demonstrar mérito ou ostentar sinais de prosperidade, no Brasil, agora é pecado. Essas coisas significam que você faz parte das nossas pérfidas elites e, portanto, carrega consigo grande parte da culpa pela miséria em que vive razoável parcela da população.

É curioso. Eu nunca interpretei o termo elite por um ângulo pejorativo. Ao contrário. Elite, para mim, sempre significou os melhores dentre os melhores em cada área. Há a elite dos empresários, como existe a elite dos médicos, a dos políticos ou a dos advogados. Com exceção de parcela da elite econômica, cujo patrimônio veio por hereditariedade, ninguém vem a ser reconhecido como membro de alguma elite se não demonstrar mérito, talento e empenho pessoal. São todos pessoas de peso, merecedoras da admiração geral. Ou, pelo menos, era assim até a chegada da companheirada ao poder, há quase cinco anos.

Confesso que não me surpreendi com essa total inversão de valores. Quando cursava a faculdade, em meados dos anos 1970, um dos mitos mais caros do pensamento esquerdista era o que pregava que todas as mazelas do Brasil eram culpa exclusiva de suas execráveis elites. O povo em geral, os cidadãos humildes, era puro de alma, solidário por natureza e sempre pronto a empenhar o melhor de si em prol da coletividade. Mas ele não tinha chance de fazê-lo porque as elites, egoístas e gananciosas, não lhe davam oportunidade. É mais ou menos a forma como os marxistas tradicionais idealizavam a classe burguesa. Elimine-se a burguesia e os seus valores, e a sociedade, quase que naturalmente, se tornará justa, fraterna, cooperativa e voltada para o bem comum.

Quatro décadas depois, mesmo com a utopia comunista já devidamente sepultada, alguns cacoetes do pensamento esquerdista ainda remanescem. Um deles é este da dicotomia entre um povo bom e generoso e uma elite perversa e individualista.

Todo raciocínio simplista é eivado de contradições. Os companheiros ainda não se deram conta de que, uma vez no poder - e com amplo controle sobre o Congresso -, são eles, agora, a elite política do País. E elite não no sentido de mérito, como referido acima, mas, sim, pelo fato de que são eles a classe dominante da Nação.

Embora execre as elites, essa gente, paradoxalmente, faz parte delas há muito tempo. Desde o final dos anos 70, são eles, incontestavelmente, que compõem a elite sindical do proletariado deste país. Sempre ocupando cargos na diretoria dos sindicatos, boa parte desse pessoal nunca trabalhou, de fato, no chão das fábricas. Além disso, em função de seus postos na burocracia sindical, eles sempre perceberam vencimentos integrais e gozaram de estabilidade absoluta no emprego, algo que nem os mais renomados membros das demais elites jamais ousaram sonhar. Paladinos dos miseráveis, pobres, por sua vez, eles nunca foram. Com salários nunca menores que o equivalente a sete ou dez salários mínimos, todos eles sempre lograram possuir casa própria e automóvel, o que os classificaria, no mínimo, como classe média.

Por que, então, esse ódio às elites e a tudo o que elas representam? Note-se aqui que o designativo elite não vale apenas para o topo da pirâmide social, mas abrange, também, toda e qualquer pessoa que demonstre auferir rendimentos acima da média, tenha algum estudo e cultue hábitos minimamente refinados.

A contraditória “elite antielites” que nos governa não se dá conta de que, se Lula pode dar-se ao luxo de distribuir o Bolsa-Família a 11 milhões de famílias, isso só é possível graças aos escorchantes impostos que as nossas odiáveis “elites” recolhem ao Tesouro. A carga tributária que incide sobre a classe média é proporcionalmente muito maior do que a do resto da sociedade.

Os petistas que me perdoem, mas eu sempre tive e terei orgulho de fazer parte dessas elites que eles tanto condenam.

São essas elites que formam o sal da terra de toda e qualquer sociedade. São elas que produzem riquezas, criam valor e fazem a economia andar. Devemos a elas o fato de, graças a sua especialização, a sociedade poder oferecer serviços de qualidade em todas as áreas do conhecimento. São elas que, pelo hábito de ler livros e jornais, compõem a opinião pública de uma nação.

Se o presidente Lula não quis estudar (tempo ele teve para isso), é um problema exclusivamente dele. Mas que não venha a nós fazer proselitismo de sua insuficiência acadêmica. Que não tente, por seu exemplo pessoal, influenciar os nossos filhos no sentido de que a indigência cultural é uma virtude e que o pouco saber é uma ferramenta útil para preservar a pureza e as boas intenções das pessoas.

Paralelos de obscurantismo, na História, nós só encontramos na Revolução Cultural chinesa, quando, a partir de 1964, Mao, em seus delírios, decidiu humilhar e “reeducar” todos os chineses que tinham um grau mínimo de instrução. O resultado, como era de esperar, foi desastroso. Após 14 anos, os mentores da tal “revolução” foram todos para a cadeia, Deng Xiaoping, com a inestimável ajuda dos antigos intelectuais, logrou reerguer a nação e a China, hoje, é o país que mais leva o ensino a sério e envia estudantes para aperfeiçoamento no exterior.

Somos elite, sim, sr. Lula, e com muito orgulho. Nós lutamos para chegar lá. Somos esforçados, esclarecidos e, sobretudo, independentes. É por isso que nós sempre relutamos em sufragar o seu nome. A nós nos repugna a idéia de alienar os nossos votos a troco de uma mesada de alguns poucos reais. "


in "O Estado de São Paulo", 28.09.2007

quarta-feira, outubro 03, 2007

Uma visão totalmente parcial da Alemanha

1 - A forma burocratizada e distanciada com a qual os consumidores e cidadãos são tratados em geral. Todos os serviços de atendimento ao consumidor são tarifados, e em dois anos não seria exagero algum dizer que NUNCA encontrei um vendedor solícito ou ao menos simpático.

2 - O isolamento das pessoas. A indiferença e a absoluta ausência de solidariedade.

3 - O desprezo à emoção, o apego ao formalismo. A frieza germânica não é lenda.

4 - A acentuada concorrência, a disciplina com relação ao trabalho e a fixação em objetivos de caráter individual.

5 - O extremo apego à noção de ordem e organização, o constante desejo de regramento, institucionalização e controle. Preciso sempre comprovar, de antemão, que não sou necessariamente preguiçosa ou indisciplinada somente por ter cometido o crime de nascer no lado de baixo do Equador.

6 - Os excessivamente rigorosos métodos de ensino e pesquisa, onde provas, notas e outros mecanismos de controle e classificação constituem verdadeiros parâmetros para medir o valor de um indivíduo. Em qualquer entrevista de emprego o primeiro documento a ser examinado, com rigor quase científico, são as notas do histórico escolar. Do Jardim de Infância à Universidade, tudo deve ser minuciosamente documentado e avaliado.

7 - As crianças são educadas para o silêncio, verdadeiros adultos em miniatura. Ao lado da minha casa há uma escola primária, onde o horário do recreio constitui um verdadeiro velório se comparado aos padrões brasileiros.

8 - A excessiva, intensa e praticamente obrigatória ocupação do tempo disponível. É praticamente um delito ficar à toa em casa. O sol está brilhando? Então é dever sair de casa e fazer algum esporte. Inverno, frio de - 10 graus? Mesmo assim é preciso apanhar um pouco de ar fresco.



Voltar ao Brasil é como voltar a fumar: é maravilhoso e, ao mesmo tempo, horrível. Ser filha é difícil. As filhas são sempre más. Sugam os pais até o tutano, dando-lhes cabo da paciência, da saúde e do orçamento. Quando estão satisfeitas e nutridas, pós-graduadas e fresquinhas, fogem para a Alemanha na primeira oportunidade. Como é possível que uma filha seja ingrata ao ponto de inventar para si uma vida melhor do que a de seus pais?
Estrela

"Escutai! Se as estrelas se acendem
será por que alguém precisa delas?

Por que alguém as quer lá em cima?
Será que alguém por elas clama,
por essas cuspidelas de pérolas?
Ei-lo aqui, pois, sufocado, ao meio-dia,
no coração dos turbilhões de poeira;
ei-lo, pois, que corre para o bom Deus,

temendo chegar atrasado,
e que lhe beija chorando
a mão fibrosa.
Implora! Precisa absolutamente
duma estrela lá no alto!
Jura! Que não poderia mais suportar

essa tortura de um céu sem estrelas!
Depois vai-se embora,
atormentado, mas bancando o gaiato
e diz a alguém que passa:
'Muito bem! Assim está melhor agora, não é?
Não tens mais medo, hein?'

Escutai, pois! Se as estrelas se acendem
é porque alguém precisa delas.
É porque, em verdade, é indispensável
que sobre todos os tetos, cada noite,
uma única estrela, pelo menos, se alumie."

Maiakovski
Soneto da ausente

"É impossível que, na furtiva claridade,
que te visita sem estrela nem lua,
não percebas o reflexo da lâmpada
com que te procuro pelas ruas da noite.

É impossível que, quando choras, não vejas
que uma das tuas lágrimas é minha.
é impossível que com o teu corpo de água jovem,
não adivinhes toda a minha sede.

É impossível não sintas que a rosa
desfolhada a teus pés, ainda há um minuto,
foi jogada por mim com a mão do vento.

É impossível não saibas que o pássaro,
caído em teu quarto por um vão da janela,
era um recado do meu pensamento."

Cassiano Ricardo

A bela adormecida

"Estou alegre e o motivo
beira secretamente à humilhação,
porque aos 50 anos
não posso mais fazer curso de dança,
escolher profissão,
aprender a nadar como se deve.

(...)

O pai está vivo e tosse,
a mãe pragueja sem raiva na cozinha.
Assim que escurecer vou namorar.
Que mundo ordenado e bom!
Namorar quem?
Minha alma nasceu desposada
com um marido invisível.
Quando ele fala roreja
quando ele vem eu sei,
porque as hastes se inclinam.
Eu fico tão atenta que adormeço
a cada ano mais.
Sob juramento lhes digo:
tenho 18 anos. Incompletos."

Adélia Prado