sábado, março 20, 2004

Eu choro de saudade de você, embora esteja ao meu alcance remediar essa nostalgia toda, minha companheira inseparável.

Tenho saudade de frases, beijos, reciprocidade, do tom da sua voz, da intimidade que compartilhávamos, do seu jeito de falar, das expressões que você utilizava e acabei assumindo como minhas também. Tenho estado sozinha, mas não são poucas as vezes em que me descubro procurando por você, querendo telefonar para contar como foi o meu dia, ou mesmo para ter novamente o seu cabelo no meu ombro.

Seria simplista te procurar, aposto que seria bem recebida. Não sei explicar o que me impede. Talvez o fato de que a sua presença, apesar do tempo, ainda é tão presente, tão viva e real em mim que torna possível prescindir de você mesmo.

Por que tenho saudade
de você, no retrato,
ainda que o mais recente?
E por que um simples retrato,
mais que você, me comove,
se você mesma está presente?


Cassiano Ricardo
Você me quis muito. O seu desejo logo passou a ser meu também. No começo, foi o pânico. Uma expressão ótima para sintetizar o ocorrido é “ejaculação precoce sentimental”. Após: Raiva. Como pode um investimento - ainda que amoroso - render tão pouco?

Agora veio a mais completa, absurda e absoluta falta de esperança. Acompanhada de seus fieis camaradas, o desânimo, o desalento e a prostração.

Não é à toa que se diz que a ignorância é uma bênção. Investigar a origem de todos os problemas pessoais provoca uma insuportável angústia.
Na verdade, eu não devia reagir com tamanha indignação à sugestão do terapeuta. Ou deveria? De uma forma ou de outra, sempre fui desajustada. Já devia, aliás, ter-me resignado, mas é difícil, dói muito na alma.

Desde criança, qualquer um podia notar: nunca fui boa em jogo ou brincadeira infantil nenhuma. Nunca fui a primeira a ser escolhida para o time de alguém nas aulas de Educação Física. Mesmo depois de mais velha, só posso gabar-me - e assim mesmo com grande modéstia - de ter sido uma jogadora de primeira divisão no truco da faculdade.

De resto, um fracasso absoluto. Afetava desprezo pelos esportistas da Atlética para disfarçar a lancinante inveja de quem sabia praticar algum esporte.

Diriam os mais ingênuos que, naturalmente, sendo eu uma espécie de intelectual tupiniquim, era boa em outros passatempos, que dependiam de capacidade de raciocínio e planejamento. O equívoco já começa pela premissa: nem mesmo sou tão inteligente assim.
Mãe, você me olha com esse seu jeito de fadista portuguesa, que não entende a razão da minha fragilidade e da minha falta de ar.
E eu te olho sentindo saudades do tempo em que eu cabia inteira nos seus braços e não tinha a compreensão do tamanho das coisas, quando cada palavra sua, carinhosa ou sádica, era tão significativa que preenchia todos os meus espaços vazios.
Por quê você não é mais capaz de resolver todos os meus problemas?
Por quê eu não consigo mais ficar sentada no chão, te olhando e querendo ser exatamente igual a você?
Por quê dói tanto?
Cheguei a uma idade em que vou recuando, ficando longe da linha de ataque, enterrando os sonhos, limpando o pó de alguma ternura boba que insiste em ficar.

Aprendi a desistir, esquecer... calar. Habituei-me a conviver com as minhas limitações, mordaças e amarras. De que vale a liberdade se conheço pouquíssima gente livre?

Tenho escondido o romantismo na fronha do meu travesseiro e me contentado com prazeres efêmeros, sem a sonoridade dos "eu-te-amo" e dos "para sempre." Estou praticando algumas estratégias racionais que aprendi, capazes de desentranhar a libido e compensar o nó na garganta.

É difícil acostumar, porém, com a dor que esse jeito sem jeito de me conquistar causou. Nada de festa, confidências ou risadas. Um jeito prescrito, sem grandes aspirações, onde faltaram criatividade e persistência e sobraram remorsos e exercícios para a arte de seduzir.

Tento compreender o que ocorreu, e a única conclusão possível diz respeito a mentiras puídas. Ou seja: foi melhor aceitar a ausência de palavras e gestos doces. Do contrário, restariam comprometidos os raros e insuficientes momentos de ternura.

Ainda não estou completamente preparada para a agressiva franqueza dos outros.