segunda-feira, fevereiro 21, 2005

O Brasil para os brasileiros - Diogo Mainardi


Eu tenho uma regra. Uma regra elementar. Qualquer um pode segui-la. Funciona sempre. Quando a imprensa publica repetidas reportagens sobre o aumento do turismo brasileiro para os Estados Unidos, está na hora de juntar suas economias, ir correndo até o cambista da esquina e trocar tudo por dólares. Em seis meses, seu dinheiro terá dobrado de valor. Não há a menor possibilidade de erro. Outro dia, O Globo publicou uma reportagem dessas. Continha cinco sinais inequívocos de descalabro cambial: 1) Depois de dois anos, a loja de departamentos americana Bloomingdale's voltou a exibir a bandeira verde-amarela em sua fachada. 2) Os vôos da Varig para os Estados Unidos estão com a lotação completa para os próximos três meses. 3) As escolas de esqui no Colorado agora oferecem cursos em português. 4) A Disney estima um crescimento de 17,2% de visitantes brasileiros em Orlando. 5) Uma vereadora do Partido Verde do Rio de Janeiro foi passar as férias com a família em Nova York e aproveitou para assistir à montagem do espetáculo A Gaiola das Loucas, na Broadway. Trata-se da mesma vereadora cujo caminhão de som me acordou diariamente durante a última campanha eleitoral. Escute o conselho de seu amigo Diogo. Os números não batem. O real irá despencar. Ponha o carro à venda e compre dólares. Ponha o apartamento à venda e compre dólares. Depois me escreva agradecendo.

Não que haja algo de errado em querer viajar para os Estados Unidos. Pelo contrário. Quem nunca foi até lá deve pegar o primeiro avião e se mandar imediatamente. Entre viajar para os Estados Unidos e rodar pelo Brasil, é muito mais recompensador viajar para os Estados Unidos. O potencial turístico brasileiro costuma ser grandemente superestimado. Jamais seremos uma meta preferencial dos estrangeiros. O país tem pouco a oferecer. Só desembarcam aqui os turistas mais desavisados. Ou então os que buscam sexo barato. O mundo está cheio de lugares mais atraentes que o Brasil. Da Tunísia à Croácia, da Indonésia à Guatemala. Temos muitas praias. Mas nosso mar é feio. Turvo. Desbotado. Com despejos de esgoto. Pouco peixe. Peixe ruim. Chove demais. Chove o ano todo. Não temos monumentos. Não temos ruínas arqueológicas. Nossas cidades históricas são um amontoado de casebres ordinários e igrejas com santos disformes. Não temos o que vender porque não sabemos fazer nada direito. Não temos museus. Sou um pervertido, e teria o maior interesse em conhecer o museu da Base Aérea de Brasília, onde está exposta a taça de champanhe manchada de batom que dona Marisa usou na inauguração do avião presidencial. Mas como convencer um turista dinamarquês de que vale a pena fazer o mesmo? Nossas florestas estão sempre em chamas. Não sabemos comer. Desrespeitamos as normas básicas de higiene, contaminando os estrangeiros e a nós mesmos. Roubamos. Com um pouco de sorte, até matamos. O Brasil só serve para os brasileiros. A Embratur deveria parar de fazer propaganda enganosa sobre o país no exterior. Por falar em exterior, para onde vamos no Carnaval?

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Die Wahrheit ist ein seltenes Kraut, noch seltener wer es gut verdaut.

Grito - Miguel Torga

Ah, mãos que não moldais o desespero!
Versos que não dizeis quanto eu preciso!
Como um cego, indeciso
Entre a força da inércia
E o desejo instintivo
De movimento,
Assim é o meu instável sofrimento,
Ou todo motivado, ou sem motivo.
Quero e não quero, dou-me a cada instante

E recuso-me logo, amedrontado.
Inconstante,
Oscilo como um vime vertical, diante
Das brisas e rajadas do meu fado.

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

"A vida, acesso de loucura que sacode a matéria... Respiro; é o bastante para que me enclausurem. Incapaz de alcançar as claridades da morte, rastejo na sombra dos dias, e ainda existo somente pela vontade de deixar existir. Como é fácil julgar-se um deus pelo coração, e como é difícil sê-lo pelo espírito! E com que quantidade de ilusões devo ter nascido para poder perder uma a cada dia! A vida é um milagre que a amargura destrói. O intervalo que me separa de meu cadáver é uma ferida para mim, todavia, aspiro em vão as seduções da tumba; Tão incompetente na vida como na morte, odeio-me, e neste ódio sonho com outra vida, com outra morte. E por haver querido ser um sábio como nunca houve outro, sou apenas um louco entre os loucos. Que seja maldita para sempre a estrela sob a qual nasci, que nenhum céu queira protegê-la, que se disperse no espaço como uma poeira sem honra! E o instante traidor que me precipitou entre as criaturas, seja para sempre riscado das listas dos tempo!"

"A única função da memória é nos ajudar a nos arrepender."

"Na maior parte das vezes nos apegamos a Deus para nos vingar da vida, para castigá-la, para comunicar-lhe que podemos prescindir dela, que encontramos algo melhor."

Emil M. Cioran

Workers of the World, Relax - Alain de Botton

The most remarkable feature of the modern workplace has nothing to do with computers, automation or globalization. Rather, it lies in the Western world's widely held belief that our work should make us happy.

All societies throughout history have had work right at their center; but ours - particularly America's - is the first to suggest that it could be something other than a punishment or penance. Ours is the first to imply that a sane human being would want to work even if he wasn't under financial pressure to do so. We are unique, too, in allowing our choice of work to define who we are, so that the central question we ask of new acquaintances is not where they come from or who their parents are but, rather, what it is they do - as though only this could effectively reveal what gives a human life its distinctive timbre.
Você é aquilo que lembra de si mesmo. Eu me considero aquilo que lembro que sou. Por isso às vezes sou tão aparentemente instável ou tenho trezentos estados de humor diferentes em um só dia: a cada momento lembro-me de outras coisas a respeito de mim mesma.
Criança - Sylvia Plath

O olho claro é a coisa mais bonita em você.
Quem dera enchê-lo de patos e cores,
Zôo do novo,

Nomes em que você pensa –
Campânula-de-abril, Cachimbo-de-índio,
Pequenino

Caule sem espinhos,
Lago em cujas margens, imagens
Pudessem ser clássicas e imensas

Não esse tenso
Torcer de mãos, esse teto
Escuro e sem estrela.
Erinnern, Wiederholen und Durcharbeiten

Somos incapazes de conviver com o desconforto emocional causado pelas repetições inconscientes.

Evocamos cenas antigas, já vividas, às quais continuamos presos e que nada têm a ver com as situações contemporâneas que tanto nos afligem.

Na esperança de repetir o prazer que um dia tivemos, buscamos reproduzir o mesmo padrão de comportamento em todas as circunstâncias. Neuroticamente julgamos iguais todas as ocorrências diferentes.
"Esta velha angústia, esta angústia que trago há séculos em mim, transbordou da vasilha, em lágrimas, em grandes imaginações, em sonhos em estilo de pesadelo sem terror, em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.


Transbordou.


Mal sei como conduzir-me na vida, com este mal-estar a fazer-me pregas na alma! Se ao menos endoidecesse deveras! Mas não: é este estar entre, este quase, este pode ser que... Isto. Um internado num manicômio, ao menos é alguém. Eu sou um internado num manicômio sem manicômio. Estou doido a frio, estou lúcido e louco, estou alheio a tudo e igual a todos: estou dormindo desperto com sonhos que são loucura, porque são sonhos. Estou assim... Pobre velha casa da minha infância perdida! Quem te diria que eu me desacolhesse tanto! Que é do teu menino? Está maluco. Que é de quem dormia sossegado sob o seu teto provinciano? Está maluco. Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou. Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!"


Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) - 16.6.1934
Amar, verbo irrefletido.
"¿Soy demasiado consciente de la realidad, y los demás viven en un sueño de idiotas del que no quieren despertar (cosa que no les reprocho), o soy yo el estúpido que cree ver demasiado, sin ver nada? Sea cual sea la respuesta, puedo decir que nunca he pedido estar aquí y aún estando aquí, sólo pienso en cómo salir, sin hacer ruido, sin que se note mi ausencia, como si nunca hubiera estado. Y de esa manera, sentir la ilusión de no haber existido nunca. "

"Para vengarnos de quienes son más felices que nosotros, les inoculamos - a falta de otra cosa - nuestras angustias. Porque nuestros dolores, desgraciadamente, no son contagiosos. "

"¿Para qué nos agitamos tanto? Para volver a ser lo que éramos antes de ser. "

Emil M. Cioran

terça-feira, fevereiro 01, 2005


Chega de beijos de respeito na testa. Estou com o saco cheio de palavras pseudo-escolhidas que não resistem à mais superficial das análises.

Intenções soltas e desejos desconexos. Esse mistério todo é uma afronta à minha inteligência. Vá ser vago e indefinido na puta que pariu.

Treine antes com uma boneca, com uma revista, com a sua namorada morna.

Eu quero ferver. Ficar cega de vapor. Não quero o enjôo tépido de quem empurra a vida com a barriga. Quero às três da manhã de um sábado e não às dez da noite de uma quarta-feira.

Vá contar esse seu papinho de “o problema é comigo” pra quem confia no destino e sabe esperar. A sorte é sua, eu te quero. Agora, ontem, semana passada.

Amanhã não sei mais. Posso querer cruzar o Atlântico, pagar R$ 500 numa saia verde, comer um Mc Lanche Feliz ou quem sabe transar com o seu chefe em cima da sua mesa.

Chega de ser metade aquecida, metade apreciada, metade conhecida. Chega de ser metade comida em meios horários e meio amada em histórias pela metade.

Chega de sorrir para quem não me contenta e me cobra paciência com um profundo respiro de indignação.

Melhor te ver correndo para bem longe do que parado na minha vida.

Tenho vontade de esmagar-lhe as mãos com muita força, por raiva da vida, por medo da fugacidade.

Quando sorri distante, do outro lado do telefone, seu sorriso separado há meses do meu existe apenas em saudade e imaginação. Sinto a covardia lúcida de quem não vai ao encontro do que quer.

Fecho as mãos no nada quando atravesso a rua correndo. Não tenho quem me segure.

Durmo até tarde no domingo.

Convivo com a ansiedade de encontrar alguém especial a cada esquina. Tento ficar bonita, mas meus olhos não mentem o cansaço da espera e a tristeza de estar avulsa. Então fico feia.

Confiro a caixa de entrada do Outlook com uma freqüência que beira a compulsão.

Imploro paixão e loucura com um olhar para o carro ao lado do meu, segundos antes de perceber que o motorista não está sozinho.

Ocupo a vida dos outros com reclamações, lamentações, dúvidas e carências.

Não suporto ouvir a palavra solidão, porque ela faz sentido.