Pensávamos que as recessões houvessem se tornado obsoletas devido à engenhosa tecnologia da nova economia. E que fôssemos imunes a coisas como o fechamento de fábricas em Iowa e Nebraska, onde americanos de lugares distantes lutavam contra telhados que desabavam e dívidas de cartão de crédito. Víamos esses trabalhadores braçais sendo entrevistados na televisão. Durante a entrevista, era impossível não perceber a tristeza e a angústia que sentiam por si mesmos e por suas famílias. Mas logo passávamos à previsão do tempo ou aos esportes, e, quando pensávamos de novo naqueles operários, lembrávamos que era numa fábrica e numa cidade diferentes. Além disso, o Estado oferecia programas para trabalhadores desempregados, readaptação, treinamento e oficinas de aprendizado. Eles ficariam bem. Graças a Deus não tínhamos que nos preocupar com tais infortúnios. Pertencíamos a uma grande empresa, cidadãos sustentados por diplomas superiores e protegidos pela gordura corporativa. Estávamos acima das forças traiçoeiras da superprodução e da má gestão.
Contudo não consideramos que, numa recessão, nós representaríamos a má gestão, e que portanto estávamos prestes a sermos jogados no lixo como uma sobra de componentes eletrônicos importados. Voltando do trabalho para casa, cogitávamos, intrigados, quem seria o próximo. Scott McMichaels foi o próximo. Sua mulher tinha acabado de ter um bebê. Depois foi Sharon Turner. Ela e o marido tinham acabado de comprar uma casa. Nomes — apenas nomes para os outros, mas, para nós, indivíduos que despertavam a mais profunda solidariedade. Aqueles que guardavam seus objetos numa caixa, apertavam algumas mãos e iam embora sem se queixar. Aliás, não tinham outra escolha, e mostravam uma tranqüila resignação diante de seus malfadados destinos. Quando iam embora, aquilo nos parecia quase um auto-sacrifício. Eles partiam para que nós ficássemos. E ficamos, embora nossos corações fossem junto com eles. Então chegou a vez de Tom Mota, que quis atirar o computador pela janela.
Tom tinha um cavanhaque e uma constituição de buldogue: troncudo, com membros curtos e uma sucessão ondulante de pescoços. Ele não pertencia ao meio publicitário. Mais que condescendência, isso era a tentativa de reconhecer uma magnânima verdade. Tom teria sido mais feliz em outro lugar — próximo às árvores de uma floresta ou lançando redes para uma empresa de pesca do Alasca. Em vez disso estava de roupa cáqui, tomando um expresso num sofá, discutindo o melhor modo de fazer com que a marca de fraldas de nosso cliente fosse um sinônimo para "mais absorvente".
Joshua Ferris, in "E nós chegamos ao fim"