- Já apareceu a professora brasileira?
Confesso que quando me ouvi assim referida, as lágrimas me vieram aos olhos. Saí do Brasil, onde vivi por 26 anos em um ambiente de suposta consideração e respeito. À minha já exarcebada sensibilidade somava-se uma delicadeza extrema, que por sua vez continha o orgulho de ser inteligente e relativamente bem-sucedida. Em outras palavras, a mulher que deixou o Brasil era superior e digna: um epíteto desses feriu-a como uma bofetada. Agora, depois não sei quantos pés na bunda e outras porradas mais brutais, sou outra, insensível e cínica, mais forte talvez; porém muito diminuída, caída das nuvens e não de um sétimo andar, imperfeita e fracassada. Sei que isso tudo é uma questão de semântica: amanhã ou na semana que vem esse vocativo não terá mais significação injuriosa. Essa reflexão, porém, não me conforta, porque continuo sentindo na suposta indignidade do tratamento todo o desconhecimento das minhas qualidades e das minhas conquistas pessoais e profissionais.
Cada passo em territória estrangeiro custa grandes esforços e algumas humilhações. Sinto ainda muito abertas as feridas que o choque com o mundo me causaram. Julgo-as consicentemente desmerecidas, acovardo-me diante da perspectiva de novas privações, que tornarão minhas ambições ainda menores. Chego a considerar-me feliz como professora de português. Eu atravessei o Atlântico e não tenho coragem de nadar novamente para a terra firme da minha casa. Creio na minha capacidade de me iludir: espero sinceramente chegar a ter até orgulho dessa minha posição.
Não quero que a vida me leve, detesto essa expressão e a idéia que ela contém. Não quero deixá-la ao acaso. Ainda devo satisfações às aspirações da mulher que deixou o Brasil.
Pensei que os livros e títulos brasileiros me bastassem, que eu me satisfizesse a mim própria. As noções que acumulei, não as sei empregar nem para o meu sucesso, nem para a minha fortuna. Sou estéril e incapaz. As palavras fogem. O que mais me aborrece é ter chegado até aqui e constatado o vazio de tudo, quase isolada dos meus e dos que talvez me pudessem entender. Tenho a impressão de que as pessoas que quero bem continuam se movendo, satisfeitas. Para que perturbá-las com a minha angústia e o meu desespero?